Cientista apoiado pelo Serrapilheira, Daniel Martins-de-Souza identifica biomarcadores que podem indicar melhor remédio para cada paciente, mostra Folha de S. Paulo
Fonte: Folha de S. Paulo
Com a descoberta nas últimas décadas de biomarcadores genéticos e bioquímicos relacionados a diversas doenças, a medicina tem caminhado para se tornar uma disciplina cada vez mais individualizada e precisa.
Como praticamente inexistem testes objetivos que guiem o psiquiatra tanto no diagnóstico como na escolha da terapia mais adequada, a área tem potencial de se beneficiar desse tipo de pesquisa.
Um estudo recente capitaneado por pesquisadores brasileiros aplicou essa abordagem inovadora a fim de aprimorar o tratamento de pessoas com esquizofrenia. O grupo identificou, pela primeira vez, um conjunto de biomarcadores que podem vir a auxiliar psiquiatras a escolher a melhor medicação para esses pacientes.
“Hoje os psiquiatras conseguem diagnosticar relativamente bem a esquizofrenia, mas eles não possuem nenhuma ferramenta molecular, nenhum teste, que os ajude a escolher a medicação mais adequada para um paciente tomar. Eles optam, praticamente, ao acaso”, diz Daniel Martins-de-Souza, professor da Unicamp e um dos autores do estudo, publicado na revista científica Frontiers Psychiatry.
Essa “loteria” farmacológica, como seria de esperar, traz prejuízos para o tratamento. Quase metade dos pacientes não apresenta melhoras de sintomas na primeira rodada de medicação —algo que só pode ser resolvido com a troca do remédio. Cada rodada de medicação, contudo, demora de quatro a seis semanas para ter seus resultados avaliados (e podem ser necessárias várias rodadas até que seja encontrada a droga mais adequada).
Enquanto esse processo de tentativa e erro ocorre, a doença, cujos principais sintomas são delírios e alucinações, continua progredindo, podendo levar a danos cognitivos permanentes nos pacientes. Mais grave: cerca de 60% daqueles que não respondem adequadamente ao tratamento terminam por abandoná-lo em algum momento.
No estudo em questão, 54 pessoas recém-diagnosticadas com esquizofrenia tiveram o sangue colhido antes de começarem a receber a medicação. Em seguida, os pacientes passaram a tomar um dos três principais antipsicóticos disponíveis hoje contra a doença —olanzapina, risperidona e quetiapina—, indicados por um psiquiatra.
Após tomarem o remédio por seis semanas, os pacientes passaram por nova avaliação psiquiátrica e foram divididos em bons e maus respondedores, de acordo com a resposta de cada um à droga administrada. Nesse momento, eles também tiveram o sangue colhido novamente.
Ao comparar as amostras obtidas antes e depois da medicação, os cientistas puderam determinar o perfil lipídico dos pacientes. Por meio de uma técnica denominada espectrometria de massa, eles estimaram quais lipídios (moléculas de gordura abundantes no plasma sanguíneo) encontravam-se no sangue dos participantes e em que quantidades.
O interesse em utilizar os lipídios como biomarcadores reside no fato de que essas moléculas já foram descritas como associadas à esquizofrenia. “Estudos recentes mostraram que, nos pacientes com a doença, os lipídios presentes nas membranas das células cerebrais existem em quantidades alteradas, diz Martins-de-Souza. Ademais, as drogas hoje usadas no tratamento da esquizofrenia influenciam o metabolismo lipídico dos pacientes.
Com os dados obtidos, os pesquisadores buscam agora desenvolver um teste rápido que permita ao psiquiatra escolher o melhor remédio para cada paciente, antes mesmo da medicação começar. “Nosso objetivo é que o médico, logo após o diagnóstico, colha o sangue do paciente e o envie para nós. Por meio de uma análise rápida, poderíamos determinar o perfil do paciente como bom respondedor para a droga ‘a’ e mal para a droga ‘b’, por exemplo”.
Acertando de primeira, diz Martins-de-Souza, a severidade da doença não aumenta e o tratamento progride com a confiança do paciente, que tem maior chance de se recuperar, por se tratar corretamente desde o início.
“O estudo é muito interessante e original, mas ainda é cedo para soltarmos rojões”, diz o psiquiatra Wagner Gattaz, presidente do Conselho Diretor do Instituto de Psiquiatria da USP. “O que temos até momento é bastante preliminar. É fundamental que a partir de agora esses resultados sejam replicados por outros grupos”.
O neurocientista e professor da Universidade Federal do Rio Grande do Norte Sidarta Ribeiro é mais otimista.
“Trata-se de um trabalho muito bem feito e com uma abordagem bastante promissora. Ele tenta entender como os efeitos colaterais do tratamento podem, na verdade, ajudar a encontrar os caminhos para a melhor terapia, e propõe que, antes de iniciar o tratamento, você possa descobrir como é o seu paciente. É uma medicina muito mais inteligente que a atual.”
Doenças psiquiátricas
Um amplo estudo publicado nesta quinta-feira (21) na revista científica Science mostrou que diferentes distúrbios psiquiátricos –como anorexia nervosa, transtorno obsessivo-compulsivo e esquizofrenia– compartilham a mesma base genética.
A pesquisa faz parte do Brainstorm Consortium, empreendimento que analisou o genoma de cerca de 900 mil pessoas para tentar descobrir a influência genética em doenças psiquiátricas e neurológicas. No estudo da Science, pesquisadores nos Estados Unidos exploraram a base genética de 25 desordens cerebrais por meio da análise dos genomas de cerca de 215 mil pacientes e 650 mil pessoas saudáveis (o grupo de controle).
Embora os pesquisadores não tenham encontrado quase nenhuma sobreposição genética entre as doenças neurológicas, como a doença de Alzheimer e a esclerose múltipla, eles encontraram uma alta sobreposição entre as doenças psiquiátricas.
A anorexia nervosa, o transtorno obsessivo-compulsivo e a esquizofrenia demonstraram a maior sobreposição, disseram os autores, e a esquizofrenia se correlacionou com a maioria dos transtornos psiquiátricos em geral.
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