Clarice Cudischevitch
A matemática da UFRJ Cecilia Salgado acredita que é necessário despertar a confiança nas mulheres para que elas se sintam tão capazes quanto os homens de serem bem-sucedidas em uma carreira na área. Pesquisadora apoiada pelo Instituto Serrapilheira, ela foi uma das organizadoras do Encontro Mundial para Mulheres em Matemática, o (WM)², evento-satélite realizado em 31 de julho que antecedeu o Congresso Internacional de Matemáticos, no Rio de Janeiro, de 1º a 9 de agosto. Confira a entrevista:
O que representa a realização do ICM no Rio de Janeiro?
Ser na América Latina já é um superavanço. Mostra que fazemos uma matemática que está no nível internacional. Desde que o Artur Avila [pesquisador do IMPA] ganhou a Medalha Fields em 2014, o assunto está mais na mídia, o povo brasileiro ficou mais atento e se deu conta de que a matemática é uma carreira em si – você não faz só para dar aula ou para fazer programa de computador. Há muito mais gente se interessando pela área. Ter um evento como esse aqui é bom não só externamente, para trazer gente para cá e eles verem que temos tanta coisa para compartilhar, mas também internamente.
Por que a matemática é uma área de pesquisa de excelência tão excepcional no Brasil?
A matemática demanda muito menos do que outras áreas – só requer papel, caneta e você. O que eu preciso, basicamente, é ser capaz de viajar para vários eventos. Claro que há matemáticas que são mais aplicadas e aí são precisos softwares, mas mesmo esses vão custar cerca de U$ 3 mil, enquanto que em laboratórios de química, física, biologia, às vezes a peça de um material vai custar R$100 mil. Desde que ganhei o grant do Serrapilheira, em março, eu viajei três vezes mais do que antes, e isso já fez uma diferença enorme para o tipo de matemática que tenho feito. Ela está muito mais veloz, fluida. Tudo que eu vinha propondo vem se desenhando, ganhando mais forma, a partir de sugestões de outros colegas.
Qual a maior dificuldade para os matemáticos no Brasil?
Estamos em um momento tão crítico que, muitas vezes, não há dinheiro nem para ir aos eventos. Por muito tempo, vimos pesquisadores que não conseguiam ganhar grants para viajar. Temos matemática de ponta, mas ela não é uniformemente distribuída como num país menor. Ainda não temos recursos para todo mundo. No Serrapilheira, dos 65 pesquisadores selecionados, quatro são matemáticos. Então, nesse mundo de tantos matemáticos, ainda há muitos que não podem ir para eventos. A matemática sobrevive de uma maneira diferente das outras ciências, mas também carece de investimentos, senão ela morre.
Quais os desafios que uma mulher matemática enfrenta?
As dificuldades não são particulares da matemática; a sociedade é muito machista. Desde que voltei para o Brasil, em 2012, já mais velha e dando aula, comecei a me dar conta. Até então eu não estava sabendo muito a dimensão do problema, que na matemática é especialmente mais sério. As pessoas ensinam para as meninas que elas não são boas em matemática. Até uns 6, 7 anos isso não é visível, mas a partir do momento que entram na escola, alguém começa a ensinar – são os pais, mães, professores, professoras. Na creche, 97% do ensino é feito por mulheres e, à medida que você vai indo mais longe, vai vendo mais homens. Ou seja, dá a impressão de que mulher só serve para tomar conta.
Como mudar a situação?
Acho que o que mais precisa mudar é que os homens não percebem que eles são parte disso. O problema não é só das mulheres, é de todos nós. Falei para vários que teríamos um encontro de mulheres em matemática e eles comentavam “que bom, é muito importante o que você está fazendo, te desejo sucesso”. E eles não aparecem. São mulheres que se reúnem com mulheres para falar sobre mulheres. Não há evolução se não estiver todo mundo participando.
Como incentivar mais mulheres a se envolverem com a matemática?
Mulheres são tão boas quanto homens em matemática. Há dois anos, fiz uma experiência em sala de aula. Dei um curso na UFRJ para formar professores que iam ensinar em escola. A turma tinha oito homens e oito mulheres. Durante uns meses, até eu aplicar a prova, tinha uns alunos muito confiantes. Homens são muito mais confiantes do que as mulheres. Eles levantavam a mão e respondiam tudo – mesmo estando errados, falavam que sabiam. E as mulheres só levantavam a mão quando sabiam que estavam certas. Elas manifestavam-se menos. Mas na prova, as melhores notas foram delas: tiraram 9 e 8, e os homens tiraram, no máximo, 7. Comentei isso na sala e gerou uma mudança. Elas começaram a se manifestar.
Então, não bastava eu estar lá como exemplo de uma mulher jovem dando aula. Ainda não é o suficiente, é preciso chamá-las e dizer que são boas. Senti que isso fez uma diferença enorme em sala. Havia duas meninas mais tímidas e que eram brilhantes. Só depois disso elas começaram a se manifestar, se candidataram para projetos, iniciação científica e hoje estão fazendo mestrado, são ótimas alunas.
Por que acha que isso acontece?
Esses homens chegam confiantes desde a escola, quando já eram tidos como os melhores. Chegando na faculdade, eles veem que talvez não sejam tão bons assim, mas ainda não entenderam bem. Enquanto isso, no caso das mulheres, é muito raro que alguém fale “você é boa”. Eu tive sorte, meus pais sempre me mostraram todas as opções, então eu escolhi com mais consciência. Mas, em geral, não é dada muita chance de escolha às mulheres, de entenderem que matemática não implica em uma vida sozinha de “doidinhos”. Se você diz a uma pessoa que ela não vai bem em alguma coisa, que algo é muito difícil de conseguir, ela vai achar que não ir bem é o esperado. Da mulher não se espera muito, mas para ela ir longe, pede-se muito mai s. Ou seja, ninguém espera que você seja uma matemática de ponta, mas se você tem alguma intenção disso, quer ganhar suas bolsas, ter seus projetos e alunos, vai ter que fazer muito mais do que um homem no mesmo nível que você. Se for negra de um país pobre, mais ainda.
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