Clarice Cudischevitch
“Existe a ciência que é publicada e a ciência que é sonhada”, afirmou certa vez o biólogo francês François Jacob. Vencedor do Prêmio Nobel de Medicina em 1965, Jacob, que morreu em 2013, cunhou os conceitos de day science e night science, apresentados pelo diretor-presidente do Serrapilheira, Hugo Aguilaniu, em uma palestra no Instituto de Física da UFRJ, no final de maio.
Enquanto a day science é a mais evidente e “publicável”, a night science é rodeada por incertezas. “É aquela pesquisa que ainda está entre a intuição e os dados, com um grande potencial de descobertas incríveis, mas também com um risco alto de fracasso”, explica Aguilaniu. “É esse tipo de ciência que o Serrapilheira quer apoiar.”
Em seu Programa de Apoio à Ciência, o Serrapilheira aposta em projetos de pesquisa básica, que façam perguntas fundamentais e tentem, sobretudo, compreender a natureza. Por isso, não faz exigência de aplicabilidade das propostas, e estratégias de risco são bem-vindas. Aguilaniu comentou que, muitas vezes, o cientista acha que está encontrando um caminho na pesquisa, mas, na verdade, ainda está no escuro. “A night science demanda tempo e liberdade para pesquisar.”
Um exemplo clássico de night science era a praticada pelo geneticista Sydney Brenner, morto em abril deste ano. Vencedor do Prêmio Nobel de Fisiologia ou Medicina em 2002, Brenner, que trabalhou com François Jacob, desvendou o mecanismo de apoptose, o “suicídio celular”, crucial para manter o equilíbrio das células em organismos pluricelulares. Tudo começou com Brenner contando as células do C. elegans, um tipo de verme.
“Ele percebeu que sempre morriam as mesmas células e encontrou os reguladores da morte celular, que hoje é alvo das quimioterapias”, explica Aguilaniu. “Mas no início, era só alguém contando células de um nematoide. Quem iria financiar?”
Na palestra, a diretora de Pesquisa Científica do Serrapilheira, Cristina Caldas, fez um paralelo com o conceito de “ciência observada pelo canto do olho” – este, do poeta português Gonçalo M. Tavares. Em “Notas sobre Ciência”, ele escreveu que:
“Observar pelo canto do olho é, em ciência, começar a elaborar a hipótese.
O que é observado pelo centro do olho é o evidente, o óbvio, aquilo que é partilhado pela multidão.
Na Ciência, como no mundo das invenções, observar pelo canto do olho é ver o pormenor diferente, aquele que é o começo de qualquer coisa de significativo.
Observar a realidade pelo canto do olho, isto é: pensar ligeiramente ao lado. A isto chama-se criatividade. Daqui saíram todas as teorias científicas importantes.”
A night science é perceptível no processo criativo do físico da UFRJ Bruno Mota, que assistiu à palestra. Grantee do Serrapilheira, ele busca entender o funcionamento do cérebro a partir de dados e métodos da Física. “Na ciência do dia a dia estamos sempre preocupados com os problemas daquele momento, mas é quando paramos formalmente de trabalhar que começa nossa fase mais criativa – por exemplo, quando pedalo de volta para casa, quando estou no banho ou mesmo viajando”, diz. “É aí que penso: e aquela ideia que eu não considerei, que estava no canto da minha mente?”
Mota, ainda assim, é realista: não é sempre que essa intuição vai chegar a algum lugar. “Claro que, em 99% das vezes, aquela ideia que você acha brilhante na hora, quando examinada à luz do dia, não se mostra promissora – geralmente, alguma premissa está errada. Mas aquele 1% que dá certo é maravilhoso, porque você finalmente entende algo de uma forma completamente nova”, destaca o físico. Não por acaso, na obra “Of Flies, Mice, and Men”, François Jacob escreveu:
“A ‘night science’ … hesita, tropeça, recua, transpira, acorda com um sobressalto. Duvidando de tudo, está sempre tentando encontrar a si mesmo, questionar a si mesmo, se recompor. A ciência da noite é uma espécie de oficina do possível, onde o que será o material de construção da ciência é trabalhado … Onde os fenômenos ainda são meros eventos solitários sem ligação entre eles … Onde o pensamento faz o seu caminho ao longo de passagens sinuosas e vias tortuosas, na maioria das vezes levando a lugar nenhum … O que guia a mente, então, não é lógica, mas instinto, intuição. A necessidade de entender.”
Na Física Teórica, campo de estudo do também grantee do Serrapilheira Mario Leandro Aolita, essa ciência intuitiva se manifesta no maior desafio da área atualmente: a unificação da Teoria da Relatividade Geral de Albert Einstein com a Mecânica Quântica. “As duas funcionam muito bem em regimes distintos, mas ainda não sabemos como uni-las”, destaca. Por enquanto, os físicos ainda estão no escuro. Saiba mais no vídeo:
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