Clarice Cudischevitch
O hidrogênio é o elemento químico mais abundante do mundo. Como substância (H2), tem um grande potencial para ser uma fonte de energia limpa, mas seu custo de produção ainda é inviável. Esse cenário, no entanto, pode mudar: o químico da Universidade Estadual de Maringá (UEM) Rafael da Silva caminha rumo a uma solução ousada que poderá otimizar esse processo em até 300%.
Versátil, o hidrogênio (enquanto substância) pode ser prontamente utilizado como combustível de veículos e como precursor da indústria química. Entretanto, é pouco explorado porque seu custo total, produção e logística, ainda são inviáveis em comparação aos combustíveis fósseis. “Mesmo assim, é o combustível dos sonhos devido à alta densidade de energia e ao fato de que, quando utilizado, produz água pura como rejeito”, conta Silva.
Ele explica que a maior parte do hidrogênio produzido no mundo vem do gás natural, uma fonte não renovável. O processo de obtenção libera cerca de 5,5 kg de dióxido de carbono, um dos gases que levam ao efeito estufa, a cada quilo de hidrogênio produzido.
“Estamos tentando provar um processo de produção de hidrogênio que, na teoria, pode ser 300% mais energeticamente eficiente do que o método tradicional de fracionamento da molécula de água”, aponta Silva. O grupo busca criar uma rota de reação completamente nova, que envolve o entrelaçamento de diversos processos de forma concomitante. “Esse novo mecanismo nunca foi feito, mas acreditamos que seja possível.”
A solução que Silva propõe tornaria o processo economicamente viável. “Isso evitaria o uso da forma tradicional de produção de hidrogênio, que é altamente poluente, e ainda teria um impacto positivo na natureza, que é a descontaminação do que já foi poluído.”
Rafael Silva vem de uma família humilde – seus pais só completaram o Ensino Fundamental. Ele começou a trabalhar aos 13 anos, mas, aos 16, conseguiu passar no vestibular para Química na UEM.
“Escolhi o curso porque tinha certeza de que um dia eu seria um cientista”, conta o químico, que tem gostos tipicamente brasileiros: é apaixonado por futebol, churrasco e cerveja. “Na faculdade, eu queria fazer algo que pudesse beneficiar toda a população mundial.” Em agosto de 2018, ele foi contemplado com um apoio de R$ 100 mil do Serrapilheira para avançar na sua pesquisa que pode, de fato, revolucionar a sociedade.
Ciência e sentimento
O projeto de Silva integra uma das frentes de atuação de seu grupo no Laboratório de Nanomateriais Multifuncionais da UEM, focada em energia renovável. O objetivo é desenvolver nanomateriais que possibilitem a conversão eficiente de formas de energia. “Um dos princípios básicos da ciência é que a energia não pode ser criada nem destruída, ela é apenas transformada”, comenta. “O que nós buscamos é a conversão da energia contida em espécies químicas contaminantes de águas em energia armazenada na forma de hidrogênio molecular.”
A ideia é atacar simultaneamente dois grandes problemas da sociedade ao descontaminar águas poluídas e, ao mesmo tempo, obter fontes de combustíveis limpas por métodos sustentáveis. Um exemplo é a possibilidade de produzir combustível reciclando a energia química descartada no esgoto residencial ou industrial na forma de compostos orgânicos solúveis.
Outra frente do grupo busca os chamados biomateriais – sistemas que podem desenvolver atividades específicas em contato com um sistema biológico. “Temos trabalhado para desenvolver nanopartículas bactericidas baseadas em componentes atóxicos para o organismo humano”, conta.
Nas diferentes linhas de pesquisa, Silva atua na interseção entre duas áreas da ciência: a Química e a Engenharia, explorando, ainda, a Nanotecnologia. Nesse percurso, a intuição tem papel essencial. “Às vezes você pensa algo com que ninguém concorda, mas algo lá dentro diz que esse é o caminho, aí você tenta buscar dados para fundamentar o que você acredita. Sem sentimentos, a pesquisa não rola”, destaca o grantee.
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