Daniel Leite | Artigo de opinião
Percebemos a nossa ignorância quando nos deparamos com o que está além do que sabemos. O que transcende aquilo que sabemos geralmente não surge em perfeita oposição àquilo que sabemos, mas surge em alguma angulação, e se manifesta de maneira implacável, a menos que você acredite não ser ignorante. Se assim for, não há motivo para questionamento.
Nosso cérebro representa a realidade da maneira mais simples possível. A representação geralmente é útil o suficiente para resolvermos aquilo que estamos realizando. Logo, percebemos minimamente a realidade para obter representações oportunas, úteis, mas certamente grosseiras do mundo. Por exemplo, até mesmo a linguagem e os números são aproximações convenientes. Se uma representação funciona bem, e memórias são facilmente recuperadas em ocasiões similares, então, mudanças não são necessárias.
Se pensarmos por um momento que os elementos ou os valores em torno de um conceito, princípio, argumento ou objeto são diferentes, isso é revelado como equívocos e erros. O erro é a chave para a transcendência àquilo que sabemos. O que se denuncia de fato no erro é uma parte da realidade que não condiz com a granularidade e as aproximações das nossas representações. O que sentimos, em um grau, não provém daquilo que vemos ou percebemos da realidade, mas como consequência da nossa memória e de representações.
Nosso cérebro se organiza para, em vez de lidar com toda a complexidade associada a um elemento ou situação, percebermos apenas algumas das dimensões do que assumimos estar lá. Se isso for suficiente ou conveniente, muito melhor, muito menos dispendioso em algum sentido. Porém, o elemento em si sempre será mais complexo. Isso é em parte o motivo de cometermos erros, o que é positivo cientificamente, pois assim avançamos. Sempre haverá mais lá do que aquilo que pode ser capturado, e sempre haverá mais domínios.
Há um conflito, atualmente, entre buscar soluções em detalhes por meio de capacidade computacional e aceitar e obter benefício a partir da manipulação da incerteza do mundo. Enquanto nosso cérebro biológico, por um lado, como uma máquina granular, opera aproximadamente e com relativo sucesso em ambiente incerto, vago, impreciso, incompleto; por outro lado, o aumento da capacidade de computação tem nos levado a buscar soluções nos detalhes. Algumas vezes, em certa perspectiva, tais soluções não são para nosso benefício direto, mas para benefício da máquina ou do sistema computacional em si para uma melhor atuação em um ambiente ou para um melhor desempenho na realização de uma tarefa.
Essa exploração dos extremos do espectro detalhe-incerteza, máquina-cérebro, tem contribuído para a elucidação de erros e, naturalmente, para o avanço da ciência e conhecimento humano em diferentes campos. As representações em ambas as máquinas, biológica e não-biológica, são, entretanto, fundamentalmente diferentes em termos de granularidade e detalhe e elementos básicos.
* Daniel Leite é engenheiro, pesquisador em ciência da computação pela Universidade Federal de Lavras e grantee do Serrapilheira. Seu projeto, contemplado pela 2ª Chamada Pública de Apoio à Pesquisa, busca maior autonomia e flexibilidade da inteligência artificial. Seu artigo de opinião é inspirado pelo livro “Ignorância – como ela impulsiona a ciência”, de Stuart Firestein, cuja versão em português foi publicada pela Companhia das Letras em parceria com o Serrapilheira. Saiba mais sobre o livro aqui.
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