06/11/2020 02:42

Duas histórias da matemática brasileira

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Em webinar do 5º Encontros Serrapilheira, Carolina Araujo e Eduardo Teixeira compartilharam suas visões sobre a área 

Os matemáticos Eduardo Teixeira e Carolina Araujo

O indiano Srinivasa Ramanujan (1887-1920) não tinha uma formação acadêmica – na verdade toda sua educação formal fora muito deficiente -, mas tornou-se um dos maiores nomes da história da matemática. Não por acaso, ele dá nome ao prestigiado Ramanujan Prize, concedido a matemáticos de países em desenvolvimento. Hoje, a homenagem faz parte de duas trajetórias brasileiras distintas: da pesquisadora Carolina Araujo e do professor Eduardo Teixeira. 

Em webinar do 5º Encontros Serrapilheira, eles conversaram com jovens cientistas sobre os caminhos que seguiram na matemática até suas áreas de pesquisa. Desde 2006 e até o início desse ano, Carolina Araujo era a única mulher no quadro de pesquisadores do Instituto de Matemática Pura e Aplicada (IMPA) – agora tem a companhia da italiana Luna Lomonaco. Em setembro, se tornou a segunda mulher do mundo (primeira do Brasil) a conquistar o Ramanujan Prize. 

Já Eduardo Teixeira deixou a Universidade Federal do Ceará (conhecida pela qualidade da pesquisa em matemática) para tornar-se professor titular no Departamento de Matemática da University of Central Florida, nos EUA, trilhando uma carreira de pesquisa internacional. Ele também venceu o Ramanujan Prize, em 2017. 

“Ramanujan é, para mim, a conexão com a matemática pura”, comentou Araujo. O indiano trabalhava com teoria dos números, ramo tradicionalmente conhecido por sua elegância teórica que busca entender a estrutura dos números inteiros; como se multiplicam e organizam. Sua aplicabilidade chegou a ser subestimada pelos próprios matemáticos puros, que, diz a lenda, costumavam brindar: “‘À teoria dos números, e que ela nunca seja útil a ninguém!’”. Apesar da fama, a disciplina hoje tem aplicações importantes em áreas como a criptografia e a ciência da computação.

“É um exemplo muito claro de ciência básica que se desenvolve por uma paixão e curiosidade científica, sem preocupação com uma aplicação direta, mas que é o que vai construir o nosso repertório para enfrentar problemas à nossa frente”, destacou a pesquisadora. Sua área na matemática é a geometria algébrica, que estuda objetos geométricos definidos por equações polinomiais (álgebra). “Sir Michael Atiyah [falecido em 2019] dizia que ter que escolher entre ser um geômetra ou um algebrista é como perguntar se você prefere ser cego ou surdo.”

Araujo comentou, ainda, sobre a importância de se criar redes de mulheres matemáticas e de apresentar modelos a meninas jovens, de modo que elas possam se sentir estimuladas a ingressar na área. “Fico pensando nas pessoas que ficaram no caminho. A Obmep [Olimpíada Brasileira de Matemática das Escolas Públicas, a mais importante do país], ao descobrir talentos e dar oportunidades, é um convite para que olhemos para outras trajetórias justamente para aumentar a diversidade e construir uma ciência mais rica.”

Nascido em São Paulo mas radicado no Ceará, Eduardo Teixeira se considera nordestino. Suas áreas de atuação são as equações diferenciais parciais – na qual o Brasil tem forte tradição -, problemas de fronteiras livres, teoria geométrica da medida, análise matemática e educação matemática. Nas EDPs Teixeira mergulha, mais especificamente, na teoria de regularidade, que, a partir das propriedades intrínsecas de uma determinada equação, revela características universais das soluções.  

O professor acredita que investir em uma boa educação matemática é especialmente necessário atualmente, pois o conhecimento imediato se tornou menos relevante. “Se eu quiser saber sobre topologia de Zariski, por exemplo, em três segundos eu tenho a definição na minha frente, na tela. Não preciso ter decorado. O importante é ter a compreensão plena daquele objeto.” 

Para Teixeira, os matemáticos têm a obrigação de se comunicar melhor com o público, mas existe um problema anterior relacionado, justamente, ao sistema educacional. “A matemática é apresentada aos alunos como algo difícil e nós achamos natural que pensem isso do que nós fazemos. A matemática precisa ser criativa.” Ele completa: “Precisamos mostrar que vale muito a pena ser cientista, que precisamos de mais cientistas e que nosso papel é, mais do que nunca, fundamental.” 

A gravação completa da conversa pode ser assistida aqui.

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