Maior premiação científica do mundo estabelece sigilo de 50 anos sobre o processo de seleção
Nesta semana, a neurocientista Marília Zaluar P. Guimarães, professora da UFRJ e pesquisadora colaboradora do IDOR, escreveu no blog Ciência Fundamental sobre a experiência de ter trabalhado com o mais novo vencedor do Nobel de medicina, o professor da Universidade da Califórnia David Julius. O prêmio, dividido com Ardem Patapoutian, foi devido à descoberta dos receptores de temperatura e de toque no corpo humano a partir do estudo de pimentas.
Até o anúncio dos vencedores, no dia 4 de outubro, cogitava-se a possibilidade de o Nobel de medicina ser conferido a cientistas responsáveis pelo desenvolvimento das vacinas contra a Covid-19 – especialmente após os prêmios Lasker e Breakthrough, por vezes considerados “prenúncios” do Nobel, terem sido direcionados a este tema. Quem levou a melhor, no entanto, foi uma pesquisa básica que contribui para nosso entendimento fundamental dos impulsos nervosos.
Nos últimos dias também conhecemos os vencedores da física – Syukuro Manabe, Klaus Hasselmann e Giorgio Parisi, pela contribuição ao entendimento dos sistemas complexos – e da química – Benjamin List e David W.C. MacMillan, pelo desenvolvimento da organocatálise assimétrica. Entre surpresas e resultados esperados, surge a curiosidade: como é feita a escolha dos vencedores da maior premiação científica do mundo?
Embora muito se especule sobre os possíveis nomeados e favoritos ao prêmio de cada ano (até mesmo em casas de apostas), não é possível saber quem concorreu. Isso porque o estatuto da Fundação Nobel estabelece um sigilo de 50 anos sobre o processo de seleção. A confidencialidade inclui tanto os nomes dos indicados quanto dos que indicam, bem como os pareceres dos especialistas.
Os preparativos para a seleção começam no ano anterior. Milhares de membros de academias, professores universitários, cientistas e ganhadores do Nobel anteriores são convidados a sugerir candidatos. Os comitês de cada uma das áreas recebem cerca de 300 nomes e, após uma pré-seleção e uma avaliação por especialistas, os finalistas são enviados às respectivas Academias. A partir daí, os membros decidem quem serão os laureados por maioria de votos. O anúncio é feito no início de outubro e a cerimônia de premiação em dezembro.
Na física, diferentemente da medicina, o prenúncio se confirmou. No início de 2021, Giorgio Parisi venceu o Wolf Prize, que tem a reputação de identificar futuros ganhadores do Nobel nessa área (recomendamos, aliás, este fio de Yuri Castelfranchi sobre sua experiência como aluno de Parisi). Mas, segundo o físico Luiz Davidovich, presidente da Academia Brasileira de Ciências, embora o nome do italiano estivesse cotado, a área de sistemas complexos não era uma aposta tão forte assim.
“Quando detectaram a colisão de dois buracos negros pelo interferômetro e observaram as ondas gravitacionais [Nobel de 2017], ou quando descobriram o grafeno [Nobel de 2010], aí sim foram palpites fáceis que se confirmaram”, comenta Davidovich. “Por outro lado, a fase geométrica, área da física em que muita gente aposta, não ganhou até agora.”
O fato de o Nobel só poder homenagear até três pessoas em cada categoria torna as apostas mais difíceis. “Na física há muitas áreas importantíssimas desenvolvidas nos últimos tempos, mas que têm mais de três nomes relevantes envolvidos. Para evitar injustiças, o prêmio acaba sendo dado a uma outra área”, afirma Davidovich. A regra, inclusive, vem sendo questionada por não dialogar com a realidade atual da ciência, cada vez mais colaborativa. Da mesma forma, a falta de diversidade de gênero, racial e geográfica dos premiados também é alvo de críticas.
“Há coisas do Nobel que não entendemos bem”, acrescenta Davidovich. “É inacreditável que Albert Einstein tenha ganhado só um prêmio – e nem foi pela teoria geral da relatividade [aquela que previu as ondas gravitacionais, detectadas cem anos depois], uma contribuição fantástica para o entendimento do universo, mas pelo efeito fotovoltaico. Há quem diga que isso foi uma manifestação de antissemitismo.”
Para a química Vanderlan Bolzani, presidente da Academia de Ciências do Estado de São Paulo, o Nobel homenageia a “elegância” de um novo campo de pesquisa. A organocatálise assimétrica é uma forma de construção de moléculas que pode tornar a química mais verde. Os cientistas premiados desenvolveram, de forma independente, um tipo de catálise baseado em pequenas moléculas orgânicas – até então acreditava-se que existiam apenas dois catalisadores: metais e enzimas. Catalisadores, vale dizer, são substâncias que controlam e aceleram reações químicas, sem fazer parte do produto final.
“A organocatálise é de uma engenhosidade e sofisticação impressionantes”, comenta Bolzani. “É uma forma de construir moléculas complexas que só não é mais fascinante que a forma da própria natureza. É uma área de ponta no mundo inteiro, com forte impacto no desenvolvimento de fármacos. No Brasil temos alguns grupos que trabalham com isso em Campinas, São Carlos e no Rio de Janeiro.”
Por que o Nobel de física representa o futuro da ciência
Ricardo Martínez García, pesquisador no Instituto Sul-Americano para Pesquisa Fundamental (ICTP-SAIFR) e no Instituto de Física Teórica da UNESP, explica, no blog Ciência Fundamental, o que são sistemas complexos e por que eles estão na fronteira do conhecimento.
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