Ganhador da Medalha Fields, o matemático francês fez palestra para plateia lotada no ICM 2018
Clarice Cudischevitch
Sabe-se hoje que a Terra tem em torno de 4,5 bilhões de anos, mas calcular essa idade não foi um processo fácil. Para mostrar como os pontos de vista científicos mudam com o tempo, o francês Cédric Villani, um dos mais atuantes divulgadores mundiais da ciência, falou sobre a polêmica em palestra pública promovida pelo Instituto Serrapilheira e pelo IMPA no Congresso Internacional de Matemáticos (ICM 2018), no Rio de Janeiro.
Villani ganhou a Medalha Fields, o mais importante prêmio mundial da matemática, em 2010, por seu trabalho em geometria, física e equações diferenciais parciais. Desde então, dedica-se à divulgação científica. Com estilo excêntrico, que inclui gravata feita de lenço e um broche de aranha, ele atrai multidões para suas palestras. É uma celebridade na França.
“Cédric representa o tipo de cientista-cidadão que o Serrapilheira procura”, disse o presidente do Instituto, Hugo Aguilaniu, que apresentou o palestrante. “Ele não se preocupa só com divulgação científica, mas também com a vida pública e política.” Em 2017, Villani elegeu-se deputado na Assembleia Nacional da França. Antes, fora diretor do Instituto Henri Poincaré de Paris, um dos mais destacados centros mundiais de estudos da matemática.
Na palestra, Villani mostrou que definir a idade da Terra foi uma das dificuldades que o naturalista britânico Charles Darwin (1809-1882) teve que enfrentar para validar a Teoria da Evolução. Ao longo da história, estudiosos fizeram estimativas muito discrepantes. “Às vezes, até mesmo os melhores cientistas do mundo podem estar errados”, apontou.
A discussão sobre a idade do planeta sempre envolveu física, geologia e biologia, mas foi a ciência de Villani que teve papel decisivo para se chegar à estimativa mais aproximada. “Há milhares de anos a matemática é útil para entender a Mãe Terra.” Um dos exemplos mais antigos é o filósofo e matemático Eratóstenes (276 AC-194 AC), que calculou a circunferência terrestre medindo a distância e angulação entre as cidades de Siena e Alexandria e a relação com os raios de Sol e as sombras.
A estimativa de Erastóstenes foi bastante acurada – diferentemente de sua visão da geografia da Terra. O mapa desenhado pelo filósofo é bem distinto do correspondente à realidade. Não inclui, por exemplo, as Américas. “Isso mostra que a matemática permite que você vá além, enquanto seu senso é determinado é pela própria experiência”, disse Villani.
O francês mencionou os tamanhos dos planetas e das estrelas. Apesar dos corpos celestes terem dimensões que nossas mentes não conseguem imaginar, a matemática não vê problema em colocá-las em equações e predizer suas medidas, ainda que ninguém nunca vá até eles. “A matemática vai além da nossa intuição. Por isso, podemos pensar na idade da Terra, ainda que seja muito maior que a escala da vida humana.”
Grande crise científica
A primeira tentativa de computar a idade não veio da esfera científica, mas da religiosa. James Ussher, chefe da Igreja Anglicana irlandesa, fez análise detalhada do Velho Testamento no século 17 e concluiu que a Terra passou a existir 4.004 anos antes de Cristo. “Só o primeiro dígito está certo”, brincou Villani.
O escritor George-Louis Leclerc, o conde de Buffon (1707-1788), tentou descobrir a idade da Terra por meio de experimentos. Para isso, desenvolveu um modelo que a representasse a partir de uma bola de metal. Buffon imaginou que o centro do planeta fosse quente e a superfície fria, como um bolo, que começa a esfriar pelas bordas e tem mais calor no interior. Apesar de descobertas que faziam sentido sobre o ciclo da Terra, ele chegou à marca de 75 mil anos.
O cientista e político Joseph Fourier (1768-1830) foi o pioneiro do estudo das equações diferenciais parciais e da física matemática. Avançou no entendimento sobre o calor da Terra, mas não computou os dados para estimar sua idade. Quem deu continuidade ao estudo foi o físico e inventor William Thompson (1824-1907), o Lord Kelvin.
Kelvin estimou que a Terra teria entre 40 e 200 milhões de anos, palpite mais próximo da realidade até então. Mas geólogos desacreditaram dele. Em 1893, o físico acreditou ter aperfeiçoado a estimativa e sugeriu a idade de 24 milhões de anos, gerando uma crise científica que envolveu personalidades de fora da área. O escritor Mark Twain (1835-1910) afirmou que Kelvin era a maior autoridade científica viva e que sua opinião deveria prevalecer. Ao mesmo tempo, após 15 anos de discussão, a Igreja abandonou a teoria de Ussher.
“Lord Kelvin, apesar da grande inteligência, cometeu o maior erro que se pode cometer: usou palavras fortes como ‘impossível’, insultou seus oponentes, deu opiniões que estavam além de sua área – afirmou que a hipótese de seleção natural não correspondia à teoria verdadeira e que evolução era crença, não ciência”, contou Villani. “Já Charles Darwin fez uma grande argumentação. Não tentou minimizar Kelvin; em ‘A origem das espécies’, declarou que não se sabia a qual ritmo as espécies mudam e que se só se poderia especular a idade do planeta.”
De acordo com Villani, o erro foi encontrado em 1895 por John Perry, assistente de Kelvin, mas ninguém prestou atenção. Perry alegou que o interior da Terra deveria ser visto como líquido e não sólido, pois mesmo a rocha pode se comportar de forma fluida em uma longa escala de tempo. Propôs, assim, que a Terra teria entre 2 e 3 bilhões de anos. “Até 1960, não se sabia o que havia no interior do planeta. As pessoas pensavam que era coincidência o fato de um lado do Brasil se encaixar em um lado da África.”
Os erros de Fourier e Kelvin, apontou Villani, não estavam na matemática. Suas fórmulas desenvolvidas à época continuam válidas. O problema foram suas premissas. “Eles acreditavam que a Terra é homogênea. Hoje, sabemos que é feita de camadas, alguma sólidas, outras líquidas. Às vezes, computamos com alta precisão as soluções das equações erradas. Suposições incorretas levam a conclusões incorretas.”
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