Clarice Cudischevitch
Imagine um e-mail impossível de ser invadido e ter suas informações copiadas por hackers. Esta é uma realidade cada vez mais próxima por conta do avanço de uma área da física que, até pouco tempo atrás, nem existia: a informação quântica. Pesquisador do Instituto Internacional de Física de Natal (RN), Rafael Chaves busca descobrir as possibilidades e os limites desse novo campo. Ele está entre os seis cientistas selecionados em agosto para receber apoio do Instituto Serrapilheira.
“A informação quântica não pode ser copiada, a não ser que o espião quebre as próprias leis da física”, explica Chaves. A teoria quântica foi desenvolvida há pouco mais de 100 anos para explicar o comportamento parodoxal de sistemas microscópicos, e está no centro da chamada Era da Informação. “Ela fornece as regras básicas que regulam o mundo de elétrons, fótons e átomos. Isto abriu o caminho para as mais variadas invenções, em particular os semicondutores, dispositivos sem os quais os computadores modernos não existiriam.”
Chaves conta que, apesar de os computadores utilizarem dispositivos quânticos, a maneira como eles processam informação é completamente não quântica, semelhante à de um computador mecânico. Em sua pesquisa, o físico pretende entender as implicações de fazer esse processamento de informação de forma quântica. Uma delas é, justamente, o fato de ser impossível copiá-la, ao contrário da informação clássica. “Este fenômeno pode ser usado na chamada criptografia quântica, uma forma extremamente segura de comunicação na qual um espião não pode ter acesso a suas informações.”
Outra propriedade importante que o físico destaca é o emaranhamento, uma correlação tão forte entre partículas quânticas que, mesmo que elas estejam a grandes distâncias, ainda se comportam, em alguns aspectos, como se fossem uma única unidade de informação. “O emaranhamento está na base de várias descobertas. Temos os computadores quânticos, teoricamente muito mais rápidos que nossos computadores atuais, podendo reduzir de anos para minutos o tempo necessário para se realizar certos tipos de cálculos.”
A pesquisa de Chaves tem várias frentes que se complementam. De um ponto de vista mais fundamental, seu grupo aplica a teoria matemática da causalidade, a aprendizagem de máquina e a inteligência artificial para entender os limites da física clássica e como os efeitos quânticos forçam a ciência a reavaliar conceitos básicos de causa e efeito. Sob o aspecto da aplicação, utilizam esta incompatibilidade entre a quântica e nossa intuição sobre causalidade para desenvolver novos protocolos para o processamento de informação, principalmente no contexto de comunicação e criptografia.
O interesse de Chaves pela área começou na adolescência, quando fez um curso técnico em informática industrial e se fascinou pelas possibilidades dos dispositivos eletrônicos. “Mas logo percebi que simplesmente aprender a usar um computador não era o suficiente; eu queria entender como os componentes complexos desta máquina funcionavam em seu nível mais básico. Naturalmente me encaminhei para a física, e na computação e informação quântica eu encontrei a escolha ideal balanceando meu interesse em ciência e tecnologia.”
A informação quântica começou a ganhar destaque a partir do século 21, especialmente por conta de sua interdisciplinaridade e dos avanços nos últimos anos. “Já existem dispositivos comercializados utilizando criptografia quântica e, com o lançamento de um satélite chinês capaz de distribuir emaranhamento entre largas distâncias, é uma questão de poucos anos até que tenhamos a primeira fase da chamada internet quântica, onde a comunicação se dará de forma completamente segura”, destaca Chaves.
Os computadores quânticos são um plano para um futuro não muito distante, mas já existem algumas versões bastante rudimentares, para as quais empresas de tecnologia e grupos de pesquisa estão buscando aplicações. “O governo chinês por exemplo, tem um projeto onde problemas de otimização muito difíceis, tais como a redução do tráfego de automóveis, podem se tornar mais eficientes por meio do uso destes dispositivos quânticos, ainda que rudimentares.”
Chaves ressalta, no entanto, que, apesar de o potencial da informação quântica ser imenso, é preciso manter os pés no chão. “Tudo que temos são predições, aplicações que podem não se confirmar e várias novas descobertas que não podemos nem ao menos imaginar. Isto é fazer ciência básica.” Avesso à autoridade, o físico, que também é surfista, se considera rebelde. “Acredito no conhecimento crítico e autoconstruído; que o rigor matemático é limitado se não há criatividade e que a interdisciplinaridade é essencial para se fazer ciência de ponta no século 21.”
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