Chegamos aos computadores e outras tecnologias quânticas. E agora?
Por Rafael Chaves
Após promessas insufladas de pesquisadores e expectativas irrealísticas da mídia e da indústria, a inteligência artificial passou por ciclos – chamados de “inverno da IA” – de escasso investimento e interesse. Muitos acreditam que momentos similares estejam prestes a acontecer com as revolucionárias, ainda que embrionárias, tecnologias quânticas.
Elaborada ao longo das primeiras décadas do século 20, a teoria quântica trouxe à tona um novo paradigma físico, no qual probabilidades e incertezas se tornaram a regra. Suas dificuldades conceituais já são lendárias e oferecem terreno fértil para as mais variadas pseudociências. Mas apesar dos inúmeros debates – ainda em curso – sobre seus fundamentos, a quântica passou por todos os testes experimentais, sendo a mais acurada teoria já criada, essencial para o entendimento das propriedades químicas e eletrônicas de átomos e moléculas, da interação entre luz e matéria, de variados efeitos astrofísicos e cosmológicos e, mais recentemente, até mesmo fenômenos biológicos.
A quântica, incomparável em mostrar a sinergia entre ciência e tecnologia, está no cerne da vida moderna: nos transistores sem os quais nossos computadores e smartphones não existiriam, no laser e na ressonância magnética nuclear que salvam vidas todos os dias. Estima-se que ao menos um terço de toda a riqueza gerada hoje seja fruto dessa primeira revolução quântica.
Atualmente estamos testemunhando a segunda revolução quântica, que, valendo-se de efeitos como a superposição e o emaranhamento – este último apelidado por Einstein de “fantasmagórico efeito à distância” –, tornou possíveis tarefas antes impensáveis. Hoje, não somente os dispositivos, mas a lógica e os algoritmos por meio dos quais a informação é processada também se tornaram quânticos. Alguns exemplos são a criptografia quântica, que garante a segurança da informação (só em perigo se um hacker quebrar as próprias regras da natureza), e a computação quântica, com aplicações que vão desde a otimização de sistemas financeiros e problemas logísticos à simulação de novos fármacos e materiais.
Com uma lista tão grandiosa de possibilidades, não é de estranhar que governos e grandes empresas estejam apostando alto no setor. Se em 2015 o valor investido, em termos globais, foi de pouco mais de 1 bilhão de dólares, hoje ele já ultrapassou a barreira dos 30 bilhões de dólares. Em cinco anos, estima-se que o valor de mercado dessas tecnologias ultrapasse os 50 bilhões de dólares.
A despeito de todo o hype, porém, materializar tais tecnologias quânticas fora do laboratório, em aplicações de larga escala e real interesse prático, ainda é um desafio enorme. Para operacionalizar essas admiráveis máquinas quânticas, precisamos construir qubits, os bits quânticos, fazê-los interagir, e sobretudo protegê-los da interferência do mundo externo, uma vez que os efeitos quânticos são extremamente sensíveis e se esvanecem rapidamente. Na computação quântica, isso implica o uso de complexos códigos de correção de erros, e embora há pouco tempo a IBM tenha lançado seu novo computador quântico ultrapassando a barreira dos 400 qubits, estima-se que em aplicações comerciais relevantes sejam necessários ao menos 100 mil qubits.
Tal cenário tem motivado o pessimismo de alguns setores, que alegam que a bolha do hype estaria prestes a estourar, trazendo consigo um duradouro inverno quântico que afetaria irremediavelmente não somente as tecnologias mas também a pesquisa básica em física quântica. De fato, a IonQ, uma das principais empresas de hardware quântico do mercado, perdeu 75% de seu valor em apenas um ano.
Leia o texto completo no blog Ciência Fundamental, na Folha de S.Paulo.
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