Reportagem da Folha de S. Paulo mostra papel de divulgação científica do Ciclo IMPA-Serrapilheira no Congresso Internacional de Matemáticos
Fonte: Folha de S. Paulo
Quais problemas matemáticos e físicos podem surgir do estudo da forma de um floco de neve? Como a matemática pode ajudar a restaurar e reconstruir obras de arte danificados pelo tempo ou pela ação do homem?
Essas questões foram o mote das duas primeiras palestras públicas de popularização da matemática (de um total de cinco) ministradas no Congresso Internacional de Matemáticos (ICM, na sigla me inglês), que ocorre no Rio.
Embora o foco do maior evento mundial da disciplina, naturalmente, sejam as novidades na pesquisa de suas diversas áreas, nos últimos tempos a questão da divulgação da matemática para públicos mais amplos foi ganhando importância.
“Essa é uma preocupação dos congressos dos últimos vinte anos, mas neste nós buscamos elevá-la a um patamar inédito”, explica Marcelo Viana, presidente da organização do ICM-2018 e diretor-geral do Instituto de Matemática Pura e Aplicada (Impa).
É a primeira vez, por exemplo, que são realizadas em um ICM palestras como essas, abertas ao público em geral e ministradas por pesquisadores renomados. As aulas públicas são uma iniciativa conjunta do Impa e do Instituto Serrapilheira, primeira instituição nacional privada de fomento à ciência.
“Além de buscar financiar pesquisa de excelência, também temos o objetivo de fazer a ciência chegar mais perto do público leigo”, diz Hugo Aguilaniu, presidente do Serrapilheira. “O ICM está acontecendo no Brasil porque o país já mostrou sua excelência na pesquisa matemática. Assim, onde nós podemos contribuir mais, acredito, é na divulgação da matemática.”
Já o Impa, mais importante centro de pesquisa em matemática do país, contou desde o seu nascedouro com iniciativas para levar a disciplina para públicos mais amplos.
“Um dos fundadores do Impa, Elon Lima, teve como uma de suas principais preocupações construir uma literatura didática de matemática em português, cujos livros são hoje adotados amplamente no Brasil”, explica Claudio Landim, diretor-adjunto da instituição.
“Além disso”, prossegue o pesquisador, “há mais de vinte anos temos um importante programa de formação de professores do ensino médio”.
Desde 2005, com a criação da Olimpíada Brasileira de Matemática das Escolas Públicas (Obmep) pelo Impa, a popularização da matemática assume um novo patamar.
“Nosso objetivo foi criar um grande programa que buscasse mostrar a estudantes de ensino fundamental e médio que a matemática pode ser algo muito mais interessante do que é, em geral, ensinado nas escolas.”
Hoje, a Obmep é a maior competição científica estudantil do mundo. Na última edição participaram 18,2 milhões de estudantes de todo o Brasil.
A missão de mostrar que a matemática pode ser interessante para todos foi cumprida nas duas palestras que já ocorreram no ICM.
A primeira foi proferida pelo francês Étienne Ghys, diretor de pesquisas na École Normale Supérieure de Lyon. Por meio de 11 nomes de pesquisadores, Ghys narrou a longa odisseia do estudo das propriedades geométricas dos flocos de neve.
O percurso começa com um bispo sueco do século 16, passa pelas contribuições do grande matemático e astrônomo alemão Johannes Kepler, e chega aos dias atuais, com a criação, nos últimos 15 anos, de sofisticados modelos que geram flocos computacionalmente.
Para Ghys, esse percurso permite mostrar o lado humano da ciência, da sua história e de como o trabalho de um vai contribuindo com o do outro e, assim, aumentando a nossa compreensão da natureza.
“Existem ainda muitos outros problemas envolvendo a matemática dos flocos de neve que não pude mostrar, alguns bastante complicados”, diz o pesquisador.
A segunda palestra foi proferida pela pesquisadora belga Ingrid Daubechies, a primeira mulher a presidir a União Internacional de Matemática (2011-2014).
Ela deu exemplos de contribuições da matemática à arte, como a identificação de um texto numa pintura flamenga do século 14 e o trabalho de reconstrução de uma igreja do século 12 em Pádua(Itália) que foi parcialmente destruída por bombas durante a Segunda Guerra Mundial.
O público parece ter gostado —sobretudo os mais jovens. “Nunca imaginei que a matemática pudesse ser aplicada à arte”, diz empolgada a aluna da 8ª série Stephanie Bloise, 14. “E ela conseguiu mostrar isso de uma maneira muito divertida e interessante.”
Para Stephanie, que veio ao ICM com seus colegas de uma escola pública no Rio de Janeiro, o fato de a palestra ter sido dada por uma mulher é algo inspirador.
“A maioria das pessoas aqui são homens, mas ela é uma prova de que as mulheres são capazes de fazer as mesmas coisas”, diz a estudante.
Ângello Sanches, 14, também aluno da 8ª série, ficou impressionado com a exposição de Daubechies. “Achei fascinante o uso da computação gráfica para reconstruir obras de arte e para melhorar técnicas de pintura nas restaurações”.
Além da matemática, o estudante conta que aproveitou o dia no congresso para praticar o inglês. “Também comprei um broche de lembrança”, diz.
Stephanie pretende fazer medicina, “mas se não der certo quero trabalhar com tecnologia e computação”. Ângello tenciona estudar biologia marinha. “Quero explorar o mundo.”
Atrair jovens para carreiras científicas é um dos principais efeitos da popularização da ciência.
“A maioria dos pesquisadores só se tornaram pesquisadores porque, em algum momento da juventude, descobriram a beleza e a importância da ciência por meio da divulgação. Além disso, políticos só irão investir em ciência se perceberem que a população acredita nela e a considera importante, o que é um resultado da sua democratização”, diz Hugo Aguilaniu.
Dentre as iniciativas do ICM-2018 voltadas à popularização, destaca-se também a exposição “Geometria e Imaginação”, que busca mostrar a beleza dos padrões matemáticos encontrados na natureza e na cultura humana.
Até o fim do congresso, estão previstas mais três palestras. Na segunda (6), o conferencista será um dos vencedores da Medalha Fields de 2010, o francês Cédric Villani. Na terça (7) é a vez do japonês Tadashi Tokieda, professor da Universidade de Princeton. Na quarta (8), falará Rogério Martins, professor da Universidade Nova de Lisboa.
Para assisti-las, é preciso fazer inscrição presencialmente no Riocentro, na zona oeste do Rio, onde ocorre o evento. Ainda restam vagas.
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