Evento com apoio do Serrapilheira, que antecede ICM 2018, discutiu dificuldades enfrentadas por pesquisadoras da área
Clarice Cudischevitch
Centenas de pesquisadoras do mundo inteiro se reuniram no Rio de Janeiro para o primeiro Encontro Mundial para Mulheres em Matemática, o (WM)², em 31 de julho. O evento-satélite do Congresso Internacional de Matemáticos (ICM, na sigla em inglês), que tem apoio do Instituto Serrapilheira, buscou discutir as dificuldades relacionadas a gênero enfrentadas pelas cientistas da área e oferecer a oportunidade de apresentarem seus estudos.
O Serrapilheira também patrocinou a participação de 21 mulheres negras e pardas. São professoras, mestres, doutoras e estudantes de graduação, selecionadas pelo comitê organizador do encontro.
“Valorizamos muito iniciativas como o (WM)² porque reúnem pesquisadoras de excelência que estão preocupadas com a sub-representatividade das mulheres nas ciências”, afirma Natasha Felizi, do Instituto Serrapilheira.
“Essas redes são oportunidades de discutir estratégias para melhorar esse cenário, de modo que haja mais mulheres na matemática, com mais visibilidade, ocupando espaços de poder e sendo referência para meninas”, acrescentou.
A abertura contou com a estreia mundial do documentário “Journeys of women in mathematics”, que relata a trajetória de três matemáticas: Neela Nataraj, da Índia; Aminatou Pecha, de Camarões; e a brasileira Carolina Araujo, uma das organizadoras do (WM)².
Araujo, a única mulher entre os 47 pesquisadores do Instituto de Matemática Pura e Aplicada (IMPA), afirma que, no Brasil, 25% das pesquisadoras da área são mulheres, mas “invisíveis”: “Os organizadores de eventos e palestrantes são 90% homens. Desencorajando mulheres, perdemos talentos que podem contribuir para a pesquisa”.
Única mulher do Departamento de Matemática da Universidade de Maroua (Camarões), Aminatou Pecha tem esperança de que esse número aumente no futuro. “Se uma menina me vê trabalhando na área, ela vai achar que também é capaz.”
Neela Nataraj, do Instituto Indiano de Tecnologia de Mumbai (Índia), falou sobre o desafio de conciliar maternidade, casamento e pesquisa. “A experiência me deixou mais forte.”
Marie-Françoise Roy, coordenadora do Comitê para Mulheres em Matemática da União Matemática Internacional (IMU), comentou a preocupação com a promoção da diversidade. “Cerca de 35% dos auxílios financeiros para participação do ICM que concedemos foram para mulheres, porcentagem maior que a de inscritas para as bolsas, de 31% .”
No total, foram concedidos 630 auxílios financeiros distribuídos entre quatro regiões geográficas: América Latina, Ásia, África e Leste Europeu.
Em palestra aberta, a pesquisadora Maria J. Esteban, do Centro Nacional de Pesquisa Científica e Universidade Paris-Dauphine, da França, comentou como a matemática está mudando o mundo. “A matemática está em todo lugar: no desenvolvimento de novas tecnologias, na organização de serviços, na criação de novos remédios e tratamentos.”
O (WM)² também contou com apresentação de pôsteres das participantes. Fadipe-Joseph Olubunmi Abidemi é matemática na Universidade de Ilorin, Nigéria. Ela emprega frações contínuas para analisar práticas patriarcais no país. Na sua universidade, são 1.018 professores homens e 298 mulheres. “Fui a única matemática do departamento por muitos anos. Agora somos cinco entre 26 professores.”
“Mulheres são tão boas em matemática quanto os homens, mas precisam se esforçar muito mais para provar isso”, disse Cecilia Salgado, matemática apoiada pelo Serrapilheira e uma das organizadoras do evento. Veja aqui entrevista com a pesquisadora.
“Estamos muito orgulhosos de sermos os anfitriões do primeiro encontro mundial de mulheres matemáticas, que é uma espécie de prólogo para o Congresso”, ressaltou Marcelo Viana, diretor-geral do IMPA e presidente do ICM 2018. Ele apontou que a discussão sobre o gênero é importante porque, apesar de a presença da mulher ser minoritária em todos os níveis, o problema mais sério é que ela vai diminuindo ao longo da carreira.
“Há mais mulheres nas posições júnior do que nas de comando. Um reflexo disso aparece na Olimpíada Brasileira de Matemática das Escolas Públicas (OBMEP), em que as meninas têm um percentual maior de medalhas nos sexto e sétimo anos e vai diminuindo nos anos seguintes. É evidente que isso se dá por fatores socioculturais: as medalhistas dizem que os meninos são muito mais incentivados em casa e na escola”, afirmou Viana.
O ICM, mais importante evento da matemática mundial, será de 1º a 9 de agosto, no Riocentro, Rio de Janeiro. É realizado de quatro em quatro anos e acontece pela primeira vez em um país do Hemisfério Sul.
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