10/08/2018 05:39

Zebrafish conduz avanço na pesquisa sobre efeitos do álcool

  • Ciências da vida

Zebrafish. Foto: Uri Manor, NICHD

Clarice Cudischevitch

Por que há pessoas que desenvolvem dependência ao álcool e outras não? Os indivíduos são afetados pelo consumo de bebidas alcoólicas de formas bastante distintas. Para estudar essas diferenças, a bióloga da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN) Ana Carolina Luchiari, apoiada pelo Instituto Serrapilheira, usa um modelo animal pouco comum: o zebrafish.

Este é um peixe de água doce de cerca de 5 centímetros de comprimento, que começou a ser empregado em pesquisas na década de 70 do século passado. Os ratos ainda são os modelos preferidos pelos cientistas, mas, nos últimos dez anos, cresceu o uso do peixe em pesquisas.

Atualmente, 800 laboratórios em todo o mundo utilizam cerca de 8 milhões de zebrafish por ano em experimentos. No de Luchiari, ela observa a diferença comportamental dos peixes diante do consumo do álcool para compreender o mecanismo de dependência e, assim, buscar medicamentos mais eficientes.

Retrato de Ana Luchiari

Ana Luchiari

“As vantagens do zebrafish são diversas”, ressalta a bióloga. São baratos, abundantes, ocupam menos espaço que os ratos e têm um desenvolvimento mais rápido – o ovo eclode em três dias, o animal está livre do saco vitelínico em cinco, torna-se adulto em três meses e procria em seis, gerando de 400 a 500 ovos por desova.

Em sua versão selvagem, o zebrafish tem cerca de 70% de semelhança genética com os humanos, mas os cientistas vêm desenvolvendo novas linhagens que chegam a 85% de similaridade, a mesma encontrada em ratos.

Efeitos do álcool diante de comportamentos distintos

Para pesquisar os efeitos do álcool, Luchiari prefere empregar o zebrafish selvagem. Ela explica que, no estudo, a variabilidade é essencial. “Eu analiso as características individuais, então preciso que haja essas diferenças, já que as pessoas também são distintas entre si.”

O que a bióloga faz é observar o comportamento dos peixes em relação ao consumo do álcool. Para isso, divide-os em dois grupos: os que se arriscam mais e os mais conservadores. Depois, expõe ambos os grupos à bebida.

Ela observou que os peixes de perfil mais conservador e tímido, quando recebem uma dose moderada de álcool (equivalente a uma taça de vinho), tornam-se mais exploradores, perdendo o medo de ambientes novos e arriscando-se mais.

Os peixes de perfil mais desbravador, que já se arriscam normalmente, não mudam em nada o comportamento quando expostos à mesma dose. A constatação surpreendeu Luchiari, que esperava que os peixes que tendem a se arriscar estivessem mais suscetíveis ao álcool do que os mais reservados.

Ela observou, ainda, que, se a dose é aumentada, o comportamento dos dois grupos muda. Os peixes que já costumam se arriscar ficam mais próximos dos seus companheiros, buscando agrupamento e proteção, e os que eram originalmente reservados ficam ainda menos conservadores. Os primeiros resultados foram publicados na revista Plos One, em junho. Agora, a bióloga busca entender o que acontece no cérebro dos peixes para essa diferença de respostas.

“O que já sabemos é que indivíduos que se arriscam mais têm mais dopamina, o neurotransmissor relacionado à sensação de prazer. Isso faz com que o animal enfrente situações com mais facilidade”, afirma. Os animais mais tímidos têm mais serotonina, o neurotransmissor relacionado à sensação de bem estar.

As duas substâncias atuam em regiões diferentes do cérebro, e o álcool afeta seus níveis – por exemplo, aumentando a secreção de dopamina. “Quando o indivíduo bebe, os níveis de dopamina se elevam principalmente na região cerebral relacionada à recompensa, então a pessoa acaba se viciando na sensação de prazer oferecida pela ingestão do álcool, e passa a buscar no álcool mais e mais prazer, o que caracteriza o vício.”

O palpite de Luchiari é que os peixes que já têm o nível de dopamina alto acabam não sofrendo tanto a influência do álcool. Já nos mais tímidos, o álcool acaba acentuando a liberação da substância.

A ideia da cientista é, no futuro, testar nos peixes os remédios contra dependência disponíveis no mercado, que não são eficientes – a reincidência chega a 90%. Paralelamente, Luchiari testará o efeito do chá de ayahuasca, bebida feita a partir de um cipó amazônico, que vem apresentando resultados contra a depressão e ansiedade.

Muitos outros estudos vêm sendo desenvolvidos com o uso do zebrafish, em temas como sono, estresse, ansiedade, doença de Alzheimer e toxicologia. Por causa dessa repercussão, há cinco anos, o simpósio “Zebrafish como modelo animal de pesquisa” passou a ser realizado no Brasil, reunindo os principais pesquisadores com o objetivo de propor novas perspectivas para a área.

*Matéria atualizada no dia 8 de março de 2021