27/04/2022 06:12

Matemática em tempos de cólera

  • Blog Ciência Fundamental

O impacto de conflitos internacionais na ciência

Ilustração: Julia Jabur

Por Edgard Pimentel

A questão fundamental acerca dos conflitos são suas consequências para a vida das pessoas. Desde as vidas perdidas e ameaçadas, até aquelas cujo cotidiano se altera diante do terror, seja pelos deslocamentos, seja por qualquer interrupção que, simplesmente, não precisava ocorrer. Em um outro nível, estão os efeitos sobre a civilização; basta ver a destruição da cidade síria de Palmira, inscrita no Patrimônio da Humanidade da UNESCO em 1980, ou o saque aos sítios arqueológicos de Mari, Ebla e Emar, também na Síria.  Mas há as consequências sobre o funcionamento da ciência, não tão evidentes no noticiário, mas nem por isso menos importantes.

A reunião científica que celebra e orienta a matemática mundial é o Congresso Internacional de Matemáticos (ICM, na sigla em inglês). Em julho de 2022, essa reunião de referência aconteceria em São Petersburgo: já eram conhecidas as listas de palestrantes do mundo todo, que se preparavam para desembarcar em uma cidade vibrante, que respiraria matemática por um punhado de dias. Mas eis que chega a roda viva e carrega o ICM pra lá: devido à invasão da  Ucrânia, a União Matemática Internacional anunciou que o congresso acontecerá de forma remota. Não foi a primeira vez que o ICM sofreu os efeitos do cenário político.

Em 1936, o congresso aconteceu em Oslo, em uma Noruega que integrava a Liga das Nações – a mesma que em 1935 havia imposto sanções à Itália pela ocupação da Etiópia. Em resposta às sanções, Mussolini dificultou a participação italiana no congresso e o dano científico recaiu sobre a área de geometria algébrica, uma vez que àquela altura seus principais expoentes eram italianos. Situação semelhante aconteceu com a topologia, cuja representatividade sofreu com a ausência de grandes nomes da matemática russa, já que os noruegueses haviam oferecido exílio a Trótskii. Pode-se imaginar que essa acolhida não tenha aumentado a popularidade do país junto ao Politburo de Stálin. 

O Prêmio Nobel da Paz de 1935 foi atribuído ao jornalista e pacifista alemão Carl von Ossietzky, responsável por denunciar o rearmamento e remilitarização da Alemanha – fato que não elevava a estima do comando nazista por Oslo. Por outro lado, a legislação antissemita nazista criou um volume importante de matemáticos de ascendência judaica sem emprego nas universidades alemãs, muitos dos quais se utilizaram do ICM em Oslo para buscar posições ou simplesmente interagir com colegas da comunidade internacional. Em resumo, uma única edição do evento de referência da profissão retrata a instabilidade em que está inserido. 

Leia o texto completo no blog Ciência Fundamental, na Folha de S.Paulo.

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