Clarice Cudischevitch
O Serrapilheira anunciou nesta quinta-feira, 20, um investimento de R$ 3 milhões na renovação do apoio a três cientistas de destaque. Bruno Mota, Mario Leandro Aolita, ambos do Instituto de Física da UFRJ, e Rafael Chaves, do Instituto Internacional de Física da UFRN, receberão, cada um, R$ 700 mil, mais um bônus opcional de R$ 300 mil destinados à integração e formação de pessoas de grupos sub-representados na ciência.
Os pesquisadores foram selecionados inicialmente pela 1ª Chamada Pública de Apoio à Ciência e contemplados com um grant de R$ 100 mil – o chamado seed money – por um ano. Depois, foram reavaliados por 15 revisores ad-hoc, atuantes em instituições do mundo todo. A renovação veio acompanhada de um fato curioso: os três selecionados são físicos. “Embora seja uma coincidência, já que o apoio do Serrapilheira não é focado especialmente na física, esse resultado mostra que esta é uma área de excelência e promissora no Brasil”, aponta o diretor-presidente do Serrapilheira, Hugo Aguilaniu.
Os três pesquisadores atuam na fronteira da física. Bruno Mota aplica princípios fundamentais e técnicas da física teórica para entender a estrutura e o funcionamento do cérebro de mamíferos. Apesar da interdisciplinaridade com a neurociência, sua origem é na cosmologia: ele terminava o doutorado em topologia cósmica quando descobriu que a neurocientista Suzana Herculano-Houzel havia desenvolvido um método de contagem de células cerebrais e notado algumas regularidades na organização dos cérebros de roedores. Achou o fato intrigante e quis saber mais. Acabou fazendo um pós-doutorado na área. Saiba mais no perfil de Bruno Mota.
Já Rafael Chaves e Mario Leandro Aolita pesquisam uma área que, até o final da década de 1980, nem existia: a informação quântica. Ela nasceu a partir da interação entre a mecânica quântica (a teoria mãe da física moderna) e a teoria da informação (originária da matemática e da ciência da computação). A área emprega as propriedades contraintuitivas da mecânica quântica, como a superposição quântica e o emaranhamento quântico, para armazenar, processar e transmitir informação de formas mais eficientes do que os sistemas clássicos.
A pesquisa de Rafael Chaves busca, em um nível fundamental, compreender as implicações de se fazer o processamento de informação de forma quântica nos computadores – uma delas é, por exemplo, a impossibilidade de que essa informação venha a ser copiada. Ele investiga, ainda, como se dão as relações de causa e efeito na mecânica quântica. Para isso, aplica a teoria matemática da causalidade, a aprendizagem de máquinas e a inteligência artificial de modo a entender os limites da física clássica e reavaliar seus conceitos básicos. Leia mais sobre o físico.
O projeto de Mario Leandro Aolita se divide em duas partes. Pelo lado aplicado, o físico busca desenvolver os chamados computadores quânticos, que prometem ser capazes de resolver problemas que nenhum computador convencional (nem mesmo os supercomputadores de hoje em dia) consegue realizar. Já no aspecto fundamental, ele estuda o nexo entre emaranhamento e superposições quânticas e a causalidade, em conexão com a teoria da relatividade de Einstein e outras possíveis teorias (ainda a serem desenvolvidas) de gravidade quântica. Confira o perfil de Aolita.
“Embora ainda jovens, eles já estão inseridos em redes internacionais, contribuindo com ideias inovadoras”, afirma a diretora de Ciência do Serrapilheira, Cristina Caldas. “Isso é um reflexo de, entre outros fatores, anos de investimento da academia brasileira nesses cientistas: UFRJ, IIF/UFRN, UFMG, CBPF e outras foram responsáveis tanto por formá-los quanto por recebê-los como pesquisadores. É uma bela evidência do esforço dessas instituições em colocar a física brasileira em um padrão de competição internacional.”
“Um aspecto marcante é a multidisciplinaridade nos projetos: os dois na área de informação quântica têm uma forte conexão com a matemática e computação, enquanto a pesquisa de Bruno Mota, além de também usar modelos matemáticos, está ligada à biologia”, destaca o físico da USP Marcelo Martinelli, que foi um dos revisores das propostas. “Isso se deve ao fato de a física nunca vir sozinha – o que consideramos fronteira nessa área sempre estará acompanhado de outras ciências.”
O apoio de até R$ 1 milhão, concedido após o seed money, reitera o princípio do instituto de concentrar recursos em poucos projetos, mas com forte potencial. As pesquisas apoiadas pelo Serrapilheira buscam responder a questões fundamentais da ciência, ainda que envolvam estratégias de risco. Para isso, contam com a liberdade e flexibilidade demandadas pela atividade científica, de modo que os cientistas possam desenvolver seus projetos em longo prazo.
Os recursos serão utilizados pelos próximos três anos. A adesão dos pesquisadores ao bônus de R$ 300 mil, voltado à integração e formação de pessoas de grupos sub-representados na ciência, é voluntária. A medida está prevista pelo Guia de boas práticas em diversidade na ciência, publicado em 2019 pelo Serrapilheira. Confira aqui.
Conheça o painel de revisores:
Aldo José Zarbin, UFPR (química)
Andrea Brito Latge, UFF (física)
Ane Alencar, IPAM (ecologia)
Bettina Malnic, USP (neurologia)
Luiz Mello, FAPESP/UNIFESP/IDOR (neurologia)
Marcelo Martinelli, USP (física)
Marcelo Tabarelli, UFPE (ecologia)
Maria Vargas, UFF (química)
Sonia Esperança, diretora de Programa emérita da NSF (geociências)
Susanna Sichel, UFF (geociências)