28/12/2020 09:31

Citações pra quem?

  • Blog Ciência Fundamental

Rankings de cientistas são populares, mas quem avalia a contribuição da ciência?

Ilustração: Linoca Souza

Por Olavo Amaral 

Pesquisadores da Universidade de Stanford e das empresas SciTech e Elsevier publicaram no mês passado um ranking atualizado dos 100 mil cientistas que mais receberam citações em artigos em 2019, bem como nos últimos 22 anos. A classificação foi recebida com festa por universidades, que se apressaram a divulgar quantos de seus professores fazem parte da lista: citações são uma régua popular de influência ou “impacto” acadêmico, e tanto instituições como cientistas costumam ser obcecados por este tipo de métrica. Observadores mais atentos também viram sinais positivos para a ciência brasileira afinal, o país passou de 600 cientistas na lista dos últimos 22 anos para 853 na de 2019.

A contabilização de citações, porém, carrega consigo uma série de controvérsias. Por um lado, é uma medida melhor de relevância acadêmica do que o número de artigos ou a notoriedade da revista em que são publicados — índices que infelizmente ainda compõem o grosso da avaliação de pesquisadores no Brasil. Mas também tem limitações importantes, pois varia de acordo com a área de pesquisa (cientistas de áreas populares são mais citados) e as parcerias (colaborações com colegas de prestígio são mais citadas), além de se prestar a manipulações (como autocitações e conchavos de citações recíprocas).

Mesmo essas críticas, no entanto, não dão conta do problema principal. Citações podem ser uma forma razoável de medir impacto acadêmico, mas mesmo quando usadas de forma crítica elas não medem mais do que isso. Assim, classificar cientistas por citações mostra quem tem mais prestígio interno em determinada área, mas diz pouco sobre a qualidade e importância de suas contribuições para a sociedade.

Dessa forma, embora se possa comemorar o crescimento do número de brasileiros na lista, tal fato revela pouco sobre a real importância da ciência nacional. O número dá uma ideia de nossa posição relativa na corrida acadêmica — na qual ainda estamos no pelotão intermediário, bem atrás das potências científicas do mundo desenvolvido. Mas a cifra não ajuda muito a entender para onde a corrida está nos levando.

É sabido que a ciência acadêmica possui inúmeros problemas estruturais, muitos dos quais fomentados pela hipercompetitividade. Levantamentos em áreas distintas mostram que grande parte dos achados publicados em artigos científicos não são reprodutíveis por outros pesquisadores — e nem por isso deixam de ser citados. Com isso, contar as citações de um pesquisador sem confirmar a confiabilidade do que ele publica pode ser um tiro no pé — se um dado não é confiável, impacto passa a ser um câncer, e não uma virtude.

Afora isso, citações em artigos medem a influência dentro do mundo acadêmico, o que diz pouco sobre a contribuição de uma pesquisa — ou de um campo científico — para a sociedade. A cultura da autorregulação por parte da comunidade acadêmica vem de longe — no modelo promovido pelo americano Vannevar Bush nos anos 1950, o investimento na pesquisa básica movida pelos interesses dos próprios cientistas seria a maneira mais inteligente de colher os frutos da ciência a longo prazo.

Não é difícil imaginar, porém, que a autorregulação possa levar todo um campo científico a se perder atrás de unicórnios. Há revistas científicas dedicadas ao criacionismo ou à homeopatia, com artigos citados por pesquisadores destas áreas, mesmo que tais teorias girem em torno de premissas que ao que tudo indica são fisicamente impossíveis. Não haveria dentro da ciência dita “séria” exemplos de becos acadêmicos igualmente sem saída, porém mais difíceis de identificar?

Leia o texto completo no blog Ciência Fundamental, na Folha de S.Paulo.

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