Como lidar com dados bons demais para serem verdade?
Por Olavo Amaral
O coro do tratamento precoce da Covid-19 sofreu um baque há duas semanas com a notícia de que um ensaio clínico egípcio demonstrando a eficácia da ivermectina contra a doença foi retirado da plataforma de preprints Research Square. O estudo mostrava uma redução de 90% na mortalidade de pacientes com doença severa em relação a um grupo que recebera hidroxicloroquina.
Muita gente não havia levado o trabalho a sério já de início, fosse por vir de pesquisadores obscuros, por estar escrito em um inglês macarrônico ou por apresentar um resultado espetacular demais para ser verdade. Nada disso, porém, impediu que ele fosse incluído em diversas metanálises defendendo a ivermectina, sendo responsável por boa parte do efeito positivo observado nelas.
O artigo só foi retirado de circulação depois que o jornalista inglês Jack Lawrence resolveu investigá-lo ao perceber sinais de plágio. Uma das versões do artigo incluía um link para os dados originais —com acesso pago e protegido por senha. Num lance de sorte, Lawrence chutou um pouco criativo “1234” e viu a planilha do Excel com os dados brutos se materializar em sua tela.
Daí em diante, o trabalho do “policial de dados” Nick Brown mostrou não só inconsistências, mas evidências fortes de fraude: diversos pacientes aparentavam ser clones criados por copy-paste, com alguns dados modificados para disfarçar. Como resultado, a plataforma removeu o artigo e os autores ainda não se manifestaram.
A história é ilustrativa para analisar outro caso que vem ganhando espaço na mídia brasileira. Em março, uma equipe de pesquisadores liderada pelo endocrinologista Flávio Cadegiani divulgou em entrevista coletiva resultados espetaculares da proxalutamida, um medicamento antiandrogênico originalmente desenvolvido para tratar o câncer de próstata, que teria levado a uma redução de 92% na mortalidade de pacientes internados com Covid-19.
O grau de sucesso logo chamou a atenção de críticos, que o apontaram como improvável. Também contribuíram para as suspeitas a demora na publicação dos dados (que só foram surgir como preprint mais de três meses depois), a alta mortalidade no grupo placebo, o recrutamento meteórico de mais de seiscentos pacientes em menos de um mês e indícios de desvios em relação ao protocolo aprovado pelo comitê de ética.
Leia o texto completo no blog Ciência Fundamental, na Folha de S.Paulo.
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