Por Cristina Caldas e Kleber Neves
Acabamos de lançar mais uma chamada pública de apoio à ciência do Serrapilheira. Todo ano, ficamos animados com a perspectiva de conhecer o que os jovens cientistas brasileiros pretendem com suas pesquisas nos seus planos mais ousados e criativos.
Desde que lançamos a primeira chamada pública, nos propusemos a apoiar pesquisas que envolvessem “estratégias de risco”. Ao longo dos anos, no entanto, fomos nos dando conta de que não estava claro para nós, e consequentemente nem para os candidatos e revisores, o que queríamos dizer com “risco”. Como assim, estratégias de risco? Enfim, neste sexto edital, isso mudou. Vamos contar aqui como chegamos aos conceitos de risco de concepção, de abordagem e técnico.
Buscando enriquecer o nosso portfólio com apostas em projetos ousados, evidenciamos no texto da quarta chamada, em 2020, que a análise do risco dos projetos, feita pelos revisores, seria utilizada para selecionarmos projetos com níveis distintos de risco.
Já na quinta chamada, em 2021, além da avaliação dos revisores sobre os riscos que identificavam nos projetos, pedimos também que os próprios candidatos descrevessem o risco da sua proposta. Mas, apesar de perguntarmos sobre ele, não oferecemos aos candidatos uma definição explícita do que o Serrapilheira entendia como risco no âmbito científico.
Analisamos, então, as descrições de risco informadas pelos candidatos e comparamos com as definições usadas por outras agências de fomento, em especial o European Research Council (ERC), financiador de um estudo de 2012 que destrinchou o conceito de risco nos projetos apoiados.
Foi curioso observar que metade dos candidatos disse não haver riscos associados aos seus projetos ou apresentou interpretações imprecisas sobre risco. Muitos proponentes descreveram os riscos à saúde dos pacientes e pesquisadores envolvidos no projeto. As demais respostas dos candidatos nos possibilitaram extrair uma classificação de diferentes tipos de risco.
Com isso, chegamos aos conceitos de risco apresentados na nossa recém-lançada chamada: o risco de concepção, relacionado à formulação da hipótese ou conjectura do projeto; o risco de abordagem, que diz respeito à escolha de como testar a hipótese ou provar sua conjectura; e o risco técnico, associado à implementação do método para obtenção dos dados.
Esse importante amadurecimento institucional está refletido no edital da sexta chamada, deixando mais claro que tipo de projeto científico queremos financiar. Estimulamos o envio de propostas arriscadas nos dois primeiros sentidos, ou seja, que tragam hipóteses e abordagens ousadas. O risco técnico, quando presente, deve ser mitigado com a antecipação dos desafios metodológicos e com a apresentação de alternativas.
Em meio a essas reflexões, nos demos conta de que também poderíamos propor um roteiro para elaboração de projetos que levassem em conta o risco nas diversas etapas da metodologia científica.
Começamos perguntando qual é a grande pergunta fundamental (e ela precisa terminar com uma interrogação). A seguir, queremos saber qual hipótese o candidato escolheu para responder a essa pergunta e quais são as possíveis limitações ou falhas de suas suposições (risco de concepção). O próximo passo é descrever de que dados o candidato precisa para testar sua hipótese e explicar por que essa abordagem pode não ser adequada (risco de abordagem), trazendo abordagens alternativas. Já na metodologia, perguntamos “por quais métodos você vai obter esses dados” e quais desafios são antecipados na coleta (risco técnico).
A partir das respostas, os revisores avaliarão o risco dos projetos. Mais do que isso, esperamos também que a reflexão sobre essas perguntas ajude os candidatos a desenhar propostas fora-da-caixa e ousadas.
É importante notar que o objetivo não é evitar esses riscos, pelo contrário. O risco é bem-vindo e essencial para que a ciência avance. Enquanto o risco técnico deva ser previsto e contornado, os riscos das escolhas científicas são apreciados. Essa estrutura foi pensada para que possamos identificar as propostas mais cientificamente arriscadas para financiá-las. Queremos fugir do “mais do mesmo”.
O Serrapilheira sempre se propôs a financiar projetos que não coubessem no modelo tradicional de projeto científico. Acreditamos que com essa chamada daremos um passo além: não só toleramos estratégias de risco, mas estimulamos o envio de projetos dessa natureza. Esperamos que esse acolhimento a pesquisas arriscadas contribua para incentivar um debate na comunidade científica brasileira e uma maior abertura das agências de fomento a projetos ousados no país, que podem ser os catalisadores de grandes transformações.
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