Clarice Cudischevitch
Garantir a reprodutibilidade dos experimentos publicados é uma etapa importante na pesquisa científica, mas fazê-lo de forma sistemática sempre foi uma grande lacuna em todo o mundo. Levantamentos recentes em áreas específicas de pesquisa sugerem que boa parte dos experimentos publicados não são reprodutíveis, tornando essa uma questão urgente na ciência internacional.
Um projeto promete tentar suprir essa demanda no Brasil, com apoio do Instituto Serrapilheira. A Iniciativa Brasileira de Reprodutibilidade está com inscrições abertas para laboratórios que queiram formar uma rede nacional que, por meio de técnicas comuns, vai tentar replicar experimentos científicos publicados em artigos brasileiros na área biomédica. “A ideia é reproduzir de 50 a 100 resultados apresentados em periódicos nos últimos 20 anos”, explica o médico e professor do Instituto de Bioquímica Médica da UFRJ Olavo Amaral, criador do projeto.
No cadastro, os laboratórios interessados em colaborar devem indicar em quais técnicas, entre as dez listadas como candidatas ao projeto de replicação, eles têm expertise, de modo a formar grupos de pesquisadores. “São métodos comuns que podem ser aplicados a modelos de roedores ou linhagens de células”, comenta Amaral. Cada experimento selecionado será reproduzido por ao menos três laboratórios diferentes.
O plano é que, ao longo de dois anos, cada laboratório reproduza entre cinco a dez experimentos. “Serão ensaios simples, utilizando a infraestrutura já existente nos laboratórios, de forma a não atrapalhar as atividades rotineiras dos grupos”, diz o professor. Os custos da participação no projeto serão cobertos pelo Serrapilheira, que financia a iniciativa.
Testar a reprodutibilidade de experimentos utilizados por pesquisadores em seus estudos é essencial porque, por esse processo, outros cientistas têm a chance de saber se aquele resultado também é válido em outros laboratórios. É uma espécie de controle de qualidade. “Um mapeamento a nível nacional é uma iniciativa de vanguarda. Sabemos muito pouco sobre quanto da ciência publicada no mundo pode ser reproduzida”, afirma Amaral.
Internacionalmente, há alguns levantamentos do gênero em áreas específicas da ciência. Em geral, os dados revelam que não é possível replicar boa parte dos experimentos publicados. Um artigo publicado na Science mostrou que entre 36 e 47% dos estudos na área da psicologia são reproduzíveis, dependendo do critério utilizado. Já números divulgados pelas companhias farmacêuticas Bayer e Amgen relatam que entre 11 e 21% das pesquisas acadêmicas na área biomédica são replicáveis em seus laboratórios.
“Não conseguir reproduzir um experimento pode significar muitas coisas”, destaca Amaral. “Muita gente pensa em fraude, mas é mais provável que haja vieses ao realizar ou analisar os experimentos, erros metodológicos ou falhas na descrição do procedimento. Pode ser também que aquele ensaio só funcione em condições muito específicas ao laboratório de origem. E muita coisa não será replicável por conta do acaso – com os baixos níveis de rigor normalmente usados para dizer que um resultado é positivo na pesquisa biomédica, muita coisa publicada acaba sendo só ruído.”
O criador do projeto explica que a falha em replicar um experimento não invalida o estudo original, e que a intenção não é fazer um diagnóstico individual. “Não pretendemos avaliar pesquisadores ou artigos específicos. Vamos reproduzir experimentos aleatórios, que são apenas uma parte de um artigo que, por sua vez, integram toda uma linha de pesquisa. A ideia é fazer um diagnóstico panorâmico da reprodutibilidade na ciência biomédica do país.”
O plano é formar a rede de colaboradores até o final deste ano e, ao longo de 2019, estabelecer os protocolos a serem seguidos e iniciar os experimentos, que devem ser concluídos até 2021. No final do mapeamento, todos os participantes serão coautores dos trabalhos.
O Serrapilheira financiará os experimentos que serão replicados pelos laboratórios. “A reprodutibilidade está ligada ao rigor científico e à confiabilidade dos dados gerados, então é um projeto que valorizamos”, ressalta a diretora de pesquisa do instituto, Cristina Caldas. “Ao identificar quais técnicas são menos propensas a erros e quais resultados são multicêntricos – portanto, mais confiáveis -, esse índice lida com a base das ciências biomédicas.”
O cadastro de laboratórios ficará aberto até novembro. Os interessados podem encontrar mais informações e fazer sua inscrição no site da Iniciativa Brasileira de Reprodutibilidade.
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