28/09/2023 02:24

Serrapilheira e Faperj divulgam cientistas selecionados em chamada exclusiva para negros e indígenas

  • Chamadas Públicas

Parceria inédita pretende ampliar representatividade na ciência; serão disponibilizados até R$ 14,7 milhões para pagamento de bolsas e apoio a pesquisas

 

O Instituto Serrapilheira e a Faperj (Fundação Carlos Chagas Filho de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro) divulgaram nesta quinta-feira (28) os nomes dos 12 pesquisadores selecionados em chamada pública exclusiva para cientistas negros e indígenas. A iniciativa, com foco em ecologia, tem como objetivo que mais pessoas de grupos sub-representados sejam formalmente integradas à academia como professores universitários e pesquisadores. O valor total de investimento é de até R$ 14,7 milhões. 

Os aprovados vão trabalhar como pós-doutorandos em grupos de pesquisa no estado do Rio de Janeiro nos quais não tenham nem se formado nem atuado antes. Ao avaliar as propostas dos candidatos, o painel de revisores levou em consideração critérios como originalidade, riscos da pesquisa e o nível de contribuição que o projeto pode trazer ao grupo que vai recebê-lo.

As propostas de estudos investigam o crescimento de florestas em áreas de restauração e o impacto de mudanças climáticas; procuram integrar os saberes indígenas ao estudo do solo; pesquisam a relação do impacto da atuação humana na Amazônia com a biodiversidade e a presença de fungos patogênicos; analisam como o aumento de minerais e nutrientes afetam os ecossistemas marinhos; os efeitos da expansão urbana em praias, entre outros. 

A geógrafa Thamyres Sabrina Gonçalves, uma das selecionadas, vai investigar como o achado de carvão em áreas de floresta que normalmente não pegam fogo pode ajudar a compreender a história evolutiva da Serra do Espinhaço, entre Minas Gerais e Bahia. A pesquisa pode oferecer indícios de uma presença humana anterior à esperada na região. Descendente de indígenas e quilombolas, Thamyres chegou a viver na rua na infância e passou por abrigos até ingressar na universidade por meio de ações afirmativas. Foi mãe durante o mestrado e, mesmo sem rede de apoio, decidiu continuar. Fez doutorado em agronomia – área do único professor que aceitou orientá-la com um bebê – pela Universidade Federal dos Vales do Jequitinhonha e Mucuri.

Pela chamada Serrapilheira-Faperj, ela vai integrar o Laboratório de Arqueologia da Paisagem do Museu Nacional da UFRJ para trabalhar junto à antropologia na reconstituição da história da região.

Cada aprovado vai receber uma bolsa mensal de R$ 8 mil, além de até R$ 800 mil para o financiamento da pesquisa durante três anos, renováveis por mais dois anos. Desse valor, R$ 700 mil serão disponibilizados pela Faperj e R$ 100 mil pelo Instituto Serrapilheira. Parte desses recursos deverá ser usada na formação de pessoas de grupos sub-representados na equipe.

O edital foi lançado por meio de uma parceria inédita entre as duas instituições. A ideia era promover novas linhas de pesquisa em ecologia formuladas por pós-doutores negros e indígenas que almejam conquistar, no médio prazo, posições permanentes em instituições de ensino. 

Dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) mostram que cerca de 57% da população brasileira se classifica como preta, parda ou indígena. Apesar de majoritária, essa parcela da população ainda é sub-representada na carreira científica.

“Nesta chamada, nos propusemos a selecionar oito cientistas negros ou indígenas, com doutorado em ecologia, que praticassem uma ciência de excelência. Selecionamos 12, e outros tantos ficaram de fora”, afirma Cristina Caldas, diretora de Ciência do Serrapilheira. “Mostramos que, se não mudarmos a forma de seleção, cientistas negros e indígenas de excelência seguirão sendo excluídos do fazer científico, e todos os candidatos continuarão parecidos. Os postos acabam ocupados por quem estudou na escola certa, mora no bairro certo, frequenta as rodas certas, e qualquer desvio desse caminho é penalizado.”

A chamada também buscou promover a mobilidade entre os cientistas. Dos selecionados, três são da região Nordeste, sete do Sudeste, um do Sul e um da Nigéria. O grupo é formado por seis homens e seis mulheres, sendo que 11 se autodeclararam como negros e um como indígena. 

Após o processo de seleção, o Serrapilheira convidou os demais candidatos indígenas para conversar e estruturar juntos a proposta de uma rede de indígenas interessados na aproximação com a ecologia. “Nosso objetivo é amadurecer essa discussão internamente e entender a melhor maneira de contribuirmos”, completa Caldas.

O presidente da Faperj, Jerson Lima Silva, diz que “apoiar uma política científica que realmente faça a diferença, olhando para questões de gênero e raciais e com oportunidades iguais para todos é o que tem nos mobilizado e emocionado”. “Pensar em editais fora do escopo tradicional da agência e observar uma adesão muito maior do que qualquer expectativa inicial nos mostra que não podemos jamais, daqui para frente, esquecer do maior grupo populacional do Brasil – as pessoas negras – e dos indígenas. A ciência também é feita com eles.”

Conheça os escolhidos e seus projetos de pesquisa:

Bede Ezewudo: Nigeriano, irá ingressar em um grupo de pesquisa na Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ). Seu projeto vai buscar entender que fatores são importantes na circulação de microplásticos no Rio Guandu – como o fluxo da água, o tamanho dos plásticos e os hábitos alimentares dos organismos que vivem no rio.

Celina Cândida Ferreira Rodrigues: Vinda de Minas Gerais, fará parte de um grupo na UERJ. Seu projeto vai investigar como as mudanças climáticas influenciam a capacidade de absorção de CO2 nos biomas brasileiros, na Amazônia Azul, no Atlântico Sudoeste e no Oceano Antártico.

Daniela Boanares de Souza: Também vem de Minas Gerais para fazer parte de um grupo na UERJ. O projeto vai buscar entender se a disponibilidade de nutrientes e água é o determinante da grande biodiversidade dos campos rupestres.

Emanuelle Brito: Vem da Paraíba para um grupo da UERJ. Seu projeto irá coletar dados sobre a abundância e diversidade de polinizadores e suas relações com as plantas e seus habitats, para desenhar estratégias de conservação.

Fabio Brito-Santos: Morador do Rio de Janeiro, irá ingressar em um grupo da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ). Seu projeto busca estudar a relação do impacto antrópico na Amazônia com a biodiversidade e presença de fungos patogênicos, bem como as consequências para a saúde pública.

Fátima Arcanjo: Do Paraná, fará parte de um grupo da UFRRJ. Seu projeto vai investigar o crescimento de florestas em áreas de restauração e a capacidade de absorção de carbono, e consequentemente a eficácia desta estratégia para a mitigação das mudanças climáticas.

João Paulo Felizardo: Mora no Rio de Janeiro e vai ingressar em um grupo da Universidade Federal Fluminense (UFF).  O projeto vai investigar como a eutrofização – o aumento de minerais e nutrientes na água – afeta as bases das teias alimentares em ecossistemas marinhos.

Juliana Leal: Também do Rio, fará parte de um grupo de pesquisa da UERJ. O projeto irá estudar a origem da principal fonte de matéria orgânica para as teias tróficas aquáticas ao longo do curso dos rios de diferentes biomas brasileiros e como esta origem pode afetar globalmente a estrutura das teias e suas respostas a ameaças à biodiversidade.

Keltony de Aquino Ferreira: Vindo do Espírito Santo, fará parte de um grupo da UFF. O projeto tem como foco de estudo a análise dos impactos da erosão costeira e o desenvolvimento urbano nos padrões e processos ecológicos em praias arenosas, especialmente no contexto do Rio de Janeiro.

Rodolfo Leandro Nascimento Silva: De Alagoas, irá entrar em um grupo de pesquisa da  UFF. O projeto irá estudar comunidades marinhas utilizando novas maneiras de mensurar a biodiversidade a partir de vários bancos de dados.

Thamyres Sabrina Gonçalves: Vinda de Minas Gerais, fará parte de um grupo no Museu Nacional/UFRJ. Seu projeto vai usar o carvão vegetal como pista para entender como se deu a dinâmica de expansão e retração entre florestas e campos no passado na Serra do Espinhaço.

Victor Junior Lima Felix: Indígena da etnia Potiguara, virá da Paraíba para ingressar em um grupo no Observatório de Territórios Sustentáveis e Saudáveis da Bocaina – OTSS/ Fiocruz. O projeto buscará incorporar saberes indígenas sobre o solo para tornar as classificações formais de tipos de solo mais minuciosas e precisas.

Confira a lista de revisores que participaram do painel de seleção:

Adriana Alves
Universidade de São Paulo
Carolina Levis
Universidade Federal de Santa Catarina
Jean Carlos Santos
Universidade Federal de Sergipe
João Paulo Lima Barreto
Núcleo de Estudos da Amazônia Indígena
Luiz Antonio Martinelli
Universidade de São Paulo
Mariana Bender Gomes
Universidade Federal de Santa Maria
Natalia Hanazaki
Universidade Federal de Santa Catarina
Rafael Silva Oliveira
Universidade Estadual de Campinas
Rosy Mary dos Santos Isaias
Universidade Federal de Minas Gerais
  • Temas
  • chamada faperj-serrapilheira
  • cientistas negros e indígenas
  • ecologia