Clarice Cudischevitch
A inexperiência dos cientistas em gestão é um problema global, mas os brasileiros enfrentam desafios específicos. A observação é de Peter Redstone, do Barefoot Thinking Company, grupo que promove formação em liderança científica no mundo todo e que esteve no Brasil pela primeira vez para treinar os pesquisadores grantees do Serrapilheira.
O treinamento aconteceu na segunda edição do Encontros Serrapilheira, de 10 a 14 de novembro, no Rio de Janeiro, e reuniu mais de 60 grantees do instituto, divididos em dois grupos. “Em muitos aspectos, os cientistas brasileiros que conhecemos aqui são parecidos com os de outros países: são ambiciosos, espertos e apaixonados por sua ciência. Pouquíssimos deles receberam algum treinamento em liderança, e isso acontece com a maioria dos cientistas que encontramos”, comenta Redstone.
De acordo com o formador, essa é uma área que tendia a ser negligenciada no passado. Esse tipo de treinamento costuma ser feito, na prática, por cientistas mais seniores. “No entanto, no alto de suas carreiras, eles não têm muito tempo livre, então os pesquisadores iniciantes acabam sendo deixados de lado.”
Segundo Redstone, a situação vem mudando aos poucos, de modo que programas que oferecem apoio financeiro à pesquisa, como é o caso do Serrapilheira, e governos vêm reconhecendo a necessidade essa formação. “Ver cientistas que nunca tiveram esse treinamento começando a usar as ferramentas e percebendo que elas podem fazer a diferença nos mostra como esse trabalho é importante.”
No caso do Brasil, a maior parte das instituições de pesquisa é pública e, muitas vezes, tem problemas de infraestrutura e recursos insuficientes. Por isso, os cientistas acabam tendo que assumir diversas funções administrativas e burocráticas, com as quais não estão acostumados. “Isso também acontece na Europa e América do Norte, mas não de maneira severa como no Brasil. Eles acabam tendo que ser responsáveis por muitas coisas.”
Redstone observou que os pesquisadores que participaram do treinamento são bastante jovens. “São cientistas começando suas pesquisas, a montar seus laboratórios, com famílias novas, e têm muitas tarefas para executar. Colocar tudo em equilíbrio é um desafio.”
Julia Cunha, pesquisadora do Instituto Butantan, gostou de aprender, no treinamento, que há quatro estilos principais de pensamento e as formas de identificá-lo (saiba mais aqui). “Um feedback que damos pode ser recebido de formas muito diferentes por esses quatro grupos”, diz a bióloga, que lidera uma equipe de cinco pessoas, entre pós-doutorandos e pós-graduandos. “Podemos aplicar esse conhecimento com nossos alunos de modo a dar a eles mais confiança para decidirem a direção de suas próprias carreiras.”
O cientista da computação Marco Antonio Zanata lidera um grupo de 14 pessoas na Universidade Federal do paraná (UFPR). Ele ressalta que as ferramentas ensinadas no curso podem ser úteis para diversas situações, como a produção de artigos científicos em grupo. “Com elas, podemos tentar observar, por exemplo, como o revisor pode pensar, dependendo do estilo dele, ou qual público-alvo queremos influenciar, além de identificar o potencial de cada um na equipe para usá-lo ao máximo.”
Para Peter Redstone, o importante é, acima de tudo, dar condições para que os pesquisadores possam fazer bem sua atividade principal. “Eles não buscavam ser líderes; a sociedade que precisa que eles sejam. Essas pessoas foram para a ciência porque são apaixonados por ela. Nosso trabalho é dedicado a fazer com que eles sejam cientistas ainda melhores.”
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