30/10/2020 06:53

Ciência aberta: como fazer

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Os coordenadores da Iniciativa Brasileira de Reprodutibilidade compartilharam dicas em webinar

O movimento global em defesa da ciência aberta parte do princípio de que o conhecimento é um bem comum que deve ser compartilhado. O conceito de ciência aberta é como um guarda-chuva heterogêneo de práticas: advoga não apenas pelo acesso livre a publicações científicas, mas também que os dados dos estudos sejam mais transparentes, disponíveis e reprodutíveis, contribuindo para uma ciência mais confiável. Além disso, busca estabelecer a infraestrutura tecnológica e os incentivos para que isso possa ocorrer.

Olavo Amaral, Clarissa Carneiro e Kleber Neves, da Iniciativa Brasileira de Reprodutibilidade, falaram em webinar do 5º Encontros Serrapilheira sobre práticas que cientistas podem incorporar em suas rotinas para contribuir para esse movimento. As orientações são baseadas no “Guia de boas práticas em ciência aberta e reprodutível” do Serrapilheira. Confira o resumo:

Ao elaborar um projeto:

– faça um registro do seu protocolo antes da coleta de dados. Isso acrescenta transparência ao processo e permite verificar se a obtenção e a análise dos dados foram realizadas conforme o planejado, diferenciando análises confirmatórias das exploratórias. Uma ferramenta que pode ajudar nessa etapa é a Protocols.io. Repositórios usados para o pré-registro de protocolos incluem a Open Science Framework (OSF) e o AsPredicted.  

– gestão de dados: essa etapa deve ser pensada ainda na elaboração, e não quando os dados já estão prontos. A ideia é que os dados fiquem armazenados de forma segura, encontrável e acessível por longos períodos e possam ser reproduzidos e reutilizados. Diversas plataformas permitem esse armazenamento, como a própria OSF, o Zenodo e o Figshare. Já o Re3data é um repositório de repositórios, onde é possível buscar por repositórios de dados mais específicos de determinadas áreas de pesquisa.

Ao conduzir experimentos:

– adote um caderno de laboratório ou de campo. Registrar a coleta dos dados é uma parte tão importante quanto o próprio dado. Há ferramentas que auxiliam na sua manutenção, como o SciNote e a OSF, para ciências mais experimentais, e outras mais específicas, como o Benchling. Treine os responsáveis pela coleta de dados deixando claro que o registro é obrigatório e representa a documentação do que foi realizado, não podendo ser apagado ou adulterado.

– já para compartilhar o material produzido/coletado, algumas dicas de ferramentas em áreas específicas são o Reclone.org e RD Connect.

– medidas de controle de viés: é quase inevitável que exista um conflito de interesses com os resultados de um experimento (já que estes são determinantes para o avanço da carreira de um cientista). Para evitar que este tipo de conflito interfira nos resultados do estudo, medidas como cegamento dos experimentadores em relação à identidade dos grupos e randomização (definição aleatória de grupos experimentais) são essenciais. Embora a importância de tais procedimentos seja reconhecida há décadas, a adoção por diversas áreas de pesquisa, como a ciência de laboratório com animais, ainda é muito baixa para um procedimento que deveria ser corriqueiro.

Ao analisar seus dados:

– protocolos de análise também devem ser abertos e reprodutíveis. No mundo ideal, o artigo publicado deve trazer a própria análise embutida para que possa ser executável. Embora ainda não seja simples publicar um paper executável, estamos caminhando cada vez mais nessa direção. Tenha em mente que alguém conseguir verificar seus resultados depende de você relatar precisamente tudo que fez, idealmente compartilhando códigos de análise.

– para isso, é preciso abrir mão de planilhas do Excel e migrar para linguagens de código aberto, como Python ou R, bem como ferramentas de controle de versões como Git e de apresentação de dados como Jupyter e R Markdown. O artigo “Good enough practices in scientific computing”, publicado na PLOS Computational Biology, traz muitas dicas e princípios para diversas áreas.

Ao publicar seus resultados:

– o mínimo ideal é que as pessoas possam ler os artigos publicados, então utilize formas de publicação em acesso aberto. Elas podem incluir tanto periódicos open access (via dourada) como o depósito de versões dos artigos em repositórios públicos (via verde). Os sites da Budapest Open Access Initiative e da cOAlition S trazem mais informações sobre acesso aberto. Ao publicar ou depositar um artigo, utilize opções de compartilhamento que garantam que ele possa ser utilizado e redistribuído, como as licenças Creative Commons.

– em relação à via verde, a maioria das editoras tem políticas compatíveis com o depósito de versões preprint, que podem ser buscadas na plataforma SHERPA/RoMEO. Os preprints já eram comuns na física e matemática, chegaram na biologia com mais força em 2016 e explodiram na área da saúde durante a pandemia de Covid-19. Compartilhar o manuscrito antes mesmo de submeter à publicação possibilita uma revisão por pares mais efetiva ao engajar uma quantidade muito maior de leitores do que o processo tradicional.

– lembre-se de que a publicação não é a palavra final sobre o trabalho. Promova o engajamento pós-publicação por meio de comentários e discussões sobre a literatura publicada, que também são uma forma de contribuição científica.

– a transparência também é importante na autoria: explicite as contribuições de cada pessoa que fez parte do trabalho, utilizando taxonomias padronizadas como a CRediT.

Na comunicação com o público:

-torne a divulgação científica transparente ao engajar o público no processo. Incentive a ciência cidadã, em que a sociedade ajuda no próprio processo científico – por exemplo, coletando dados ou participando da elaboração de perguntas.

– dados abertos dizem respeito não só a cientistas, mas a todas pessoas. Pense em estruturas de visualização de dados de leitura fácil que possam ser acessíveis a pessoas fora da sua área específica de conhecimento.

– assuma a ciência como um processo de refinamento de incertezas em revisão permanente, e explique adequadamente essa incerteza no processo de comunicação com o público.

Em todos os momentos:

– leve a chama da ciência aberta adiante. Engaje-se e discuta o assunto com seus colegas e alunos.

– financiadores (como o próprio Serrapilheira) têm um papel fundamental. Quando estes se baseiam em métricas como volume de publicações e fator de impacto, criam-se estímulos que não recompensam os cientistas mais transparentes. Vale lembrar que a ciência é feita principalmente com recursos públicos, ou seja, é financiada pela sociedade, que tem o direito de ter acesso ao que é produzido.

A gravação completa do webinar pode ser assistida no Youtube

Lembramos que o “Guia de boas práticas em ciência aberta e reprodutível” do Serrapilheira está aberto a contribuições, pois a ideia é que ele esteja em constante aperfeiçoamento. Se você tem uma sugestão, comentário ou crítica sobre o guia, por favor, mande uma mensagem para pesquisa@serrapilheira.org.

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