Há muitas lacunas nos dados sobre o coronavírus no Brasil, o que dificulta o trabalho de pesquisadores, jornalistas e outros profissionais envolvidos com a pandemia. Diversas iniciativas, no entanto, vêm se somando ao esforço do poder público para tornar as informações mais completas e consolidadas. O webinar organizado pelo Serrapilheira, Agência Bori e Escola de Dados nesta quarta-feira, 8, apresentou algumas delas. Confira abaixo um resumo dos principais tópicos abordados:
“Não temos a menor ideia de quantos casos de coronavírus existem no Brasil”
O epidemiologista Pedro Hallal, reitor da Universidade Federal de Peolotas (UFPel), coordena o primeiro estudo brasileiro que vai estimar o número de infectados no país utilizando uma estratégia semelhante às das pesquisas eleitorais. Serão testadas e entrevistadas 18 mil pessoas em nove cidades no Rio Grande do Sul – a expansão para o resto do país está prevista para as próximas semanas.
O objetivo é saber o percentual de infectados na população, e não no serviço de saúde. Isso porque os testes positivos representam uma fração mínima dos reais infectados, já que só testamos quem tem sintomas. Um artigo na Science mostrou que 86% dos infectados são assintomáticos (mas podem transmitir o vírus). O estudo vai saber, ainda, quão rapidamente a infecção está se alastrando e o papel do isolamento social. “Esses dados são essenciais para planejarmos, por exemplo, se devemos comprar mais respiradores, ter mais leitos de UTI, criar hospitais de campanha, relaxar ou restringir mais o convívio social, definir a prioridade”, afirmou Hallal.
Os dados gerados pelo estudo não vão seguir o tempo normal de uma pesquisa científica: por conta da urgência em servirem como base para políticas públicas, serão divulgados para a mídia e para a população em geral no máximo 48 horas após cada coleta.
Transparência dos dados públicos
Fernanda Campagnucci, da Open Knowledge Brasil, mostrou o Índice de Transparência da Covid-19, criado pela organização para avaliar objetivamente os números divulgados pelos estados. Pernambuco, por exemplo, é o único com índice alto de transparência. Os levantamentos são feitos periodicamente e os estados tiveram avanços desde a primeira divulgação, mas, de modo geral, ainda têm muito a melhorar – vários não conseguiram cumprir o básico da transparência de dados. “Temos que alertar os governos sobre a importância de ter alguns dados fundamentais sobre o sistema e infraestrutura de saúde.” A próxima atualização será divulgada nesta quinta-feira, 9.
A desigualdade impacta o combate à epidemia
O jornalista especializado em análise de dados Marcelo Soares, da Lagom Data, tem feito um levantamento junto às secretarias de saúde dos estados e produzido dados detalhados sobre o coronavírus em escala local. Observou, por exemplo, que existem 416 municípios brasileiros com pacientes de Covid-19 já confirmados, mas onde não há leitos de UTI adulta. No Acre, o número de infectados está estagnado em 50 há alguns dias, pois não há testes para confirmar novos resultados. “A desigualdade dentro dos estados influencia o combate ao coronavírus”, disse. “Como avaliar o achatamento da curva, essencial para sabermos quando poderemos sair de casa, se há poucos dados para sequer desenhar essa curva?”
Como acessar os dados públicos
A economista da saúde Paula Spinola, da University College London, lembrou que há muitos dados públicos disponíveis, mas estão desorganizados. Ela mostrou como acessar a plataforma do SUS para encontrar informações sobre atendimento hospitalar, número de leitos, respiradores etc. Pela ferramenta Tabnet, por exemplo, é possível ver que, em fevereiro de 2020, o Brasil tinha uma média de 15 leitos hospitalares para cada 100 mil habitantes, o que, a princípio, atenderia a recomendação do Ministério da Saúde de 10 a 30 leitos para cada 100 mil habitantes. “Mas esse não é um ano típico, pois teremos uma demanda adicional inesperada e há discrepância entre os municípios.”
Mente sã e mãos sujas
“A epidemiologia não fica fechada dentro do laboratório: é uma ciência que vai à rua, estuda casos, conversa com as pessoas”, disse Pedro Hallal. Esse aspecto é essencial para que se possa de fato mapear uma epidemia e salvar milhares de vidas. Ele citou o médico Geoffrey Rose ao afirmar que “os epidemiologistas precisam ter uma mente sã e as mãos sujas” (lembre-se de que, aqui, se trata apenas de um trocadilho; a orientação oficial é a de lavar sempre as mãos para combater o vírus).
Você também pode assistir ao webinar completo em nosso canal do Youtube.
Este é o segundo webinar organizado pelo Serrapilheira e Agência Bori, dessa vez em parceria com a Escola de Dados. Se você perdeu o primeiro, que trouxe dicas para a cobertura jornalística da pandemia, confira o resumo feito pelo blog Novo em Folha, da Folha de S.Paulo, ou assista à gravação completa pelo Youtube.
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