Clarice Cudischevitch
Na era dos computadores quânticos e da inteligência artificial, possivelmente a maior revolução tecnológica do século XXI não será digital, mas biológica. É o que mostra o documentário Human Nature, que narra a origem da técnica de edição genética conhecida como CRISPR. O filme foi exibido durante o Camp Serrapilheira nesta sexta-feira, 6, em uma sessão gratuita e aberta ao público no Cinema Estação NET Rio, no Rio de Janeiro.
Desde que um grupo de pesquisa chinês anunciou, em 2018, ter conseguido editar o material genético de um bebê, o CRISPR vem suscitando discussões em nível internacional: podemos, de fato, editar o DNA humano? Quais são as consequências de se poder programar as características genéticas de um embrião? E os limites éticos para isso?
CRISPR consiste em uma sequência de código genético encontrado em determinados organismos que permite que seus DNA’s façam alterações e sejam alterados. Para alguns cientistas, ele seria a chave para desbloquear a cura para doenças como câncer, anemia falciforme e até mesmo a AIDS. Seria, ainda, o caminho para a manipulação genética e para ditarmos nossa própria evolução.
Co-produzido pelo lendário jornalista de TV dos EUA Dan Rather e dirigido por Adam Bolt, roteirista do documentário vencedor do Oscar Inside Job, Human Nature destrincha a polêmica em torno da edição genética. A técnica foi descoberta em 2012 pelas cientistas Emmanuelle Charpentier (Max Planck Institute, Alemanha) e Jennifer Douda (Howard Hughes Medical Institute, EUA), que estão cotadas para receberem o Prêmio Nobel.
Storytelling de ciência para o cinema
Human Nature foi lançado em março de 2019 e vem sendo aclamado em festivais de cinema em todo o mundo. O filme foi co-produzido pela Sandbox Films, estúdio de criação de documentários voltados para o storytelling de ciência. “Filmes sobre ciência não têm muito espaço, então queremos preencher essa lacuna”, afirma Greg Boustead, produtor executivo da iniciativa. “Os documentários costumam ter abordagens específicas e repetidas de simplificação dos assuntos. Nós procuramos seguir uma linha experimental, artística, e ver se podíamos confiar mais na audiência.”
O estúdio é um dos braços do Science Sandbox, programa da Simons Foundation que tem a missão de “desbloquear” o pensamento científico por meio do engajamento das pessoas com o processo da ciência. Para isso, partem de um princípio simples: o de que não é preciso ser cientista para pensar como um. “Uma ferramenta poderosa para conquistar um público que não se sente familiarizado com a ciência é conectá-las emocionalmente, culturalmente.”
Em The Most Unknown, por exemplo, uma estratégia utilizada foi humanizar os cientistas apresentados no documentário. “Queríamos que as pessoas se identificassem com eles em vez de simplesmente enxergá-los como especialistas. O filme mostra que também há muitas coisas sobre as quais eles não sabem e fazem perguntas consideradas bobas.” O filme, produzido pela Sandbox Films em parceria com a Motherboard, também será exibido em sessão gratuita no Camp Serrapilheira com a participação de seu diretor, Ian Cheney. Saiba mais.
Boustead conta que a ideia de Human Nature nasceu da constatação de que a edição genética pode mudar a vida das pessoas de forma considerável nos próximos anos. “A implicação do CRISPR é gigantesca e achamos que essas decisões têm que ser tomadas com a participação de toda a sociedade, e não só de dois ou três cientistas que entendem a técnica. Quisemos fazer um filme honesto e acurado para que as pessoas compreendam que essa tecnologia pode mudar o direcionamento da evolução.”
O filme Human Nature estreia em breve na televisão e serviços de streaming. Mais informações no site oficial.
O Camp Serrapilheira é um festival que aborda a importância da qualidade narrativa e de formas experimentais para a divulgação científica, reunindo diversas atividades abertas ao público. A segunda edição acontece de 5 a 8 de setembro, na Casa Firjan e no Estação NET Rio, no Rio de Janeiro. Saiba mais.
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