02/06/2022 07:30

Mais da metade dos programas de pós-graduação de universidades públicas adotam ações afirmativas, mostra novo levantamento

  • Diversidade na ciência

Observatório de Ações Afirmativas na Pós-graduação mapeou editais e identificou que 54,3% dos programas de pós-graduação analisados têm políticas de reparação de desigualdades

Anna Venturini apresenta resultados do Obaap

O novo Obaap – Observatório de Ações Afirmativas na Pós-graduação identificou que 1.531 programas de pós-graduação de universidades públicas brasileiras, entre os 2.817 em funcionamento, adotam ações afirmativas, o equivalente a 54,3% da amostra. O projeto monitorou editais e resoluções entre 2002 e 2021.

O site do Obaap contém um banco de dados com os editais de todos os programas de pós-graduação com ações afirmativas e as resoluções de universidades que adotaram essas medidas, além de artigos e outros materiais sobre o tema. O observatório disponibiliza, ainda, um mecanismo de busca que permite localizar os programas de acordo com filtros como área do conhecimento, nota da Capes e região. 

O levantamento observou que, em 2018, havia 737 programas com políticas afirmativas. Ou seja, em quase quatro anos, 794 novos programas aderiram a esse tipo de política. Entre os 2.817 programas de pós-graduação da amostra, 45,4% não criaram ações afirmativas, e 0,2% não fizeram porque o número de vagas era inferior ao mínimo previsto na resolução da universidade.

Além disso, 86% dos programas de pós-graduação com ações afirmativas estão nas universidades federais e apenas 14% em universidades estaduais. “A adesão maior das universidades federais está diretamente ligada à Portaria Normativa MEC 13/2016 e ao fato de que diversas universidades aprovaram resoluções por meio de decisões de seus conselhos universitários. Hoje temos 45 universidades com resoluções e normativos internos sobre a temática”, explica Venturini.

O sistema de cotas (reservas de vagas para pessoas de grupos específicos) é o predominante entre as modalidades de ações afirmativas – adotado por 73% dos programas. Em seguida vem a modalidade de cotas + vagas suplementares (23,1%), cotas + bônus (4,6%) e vagas suplementares (3,5%). 

Alguns dos principais grupos beneficiados são: pessoas que se autodeclaram pretas, pardas e indígenas; pessoas com deficiência; quilombolas; pessoas trans, entre outros.

Quanto às áreas de conhecimento, as ciências humanas são as que mais adotam esse tipo de medida – 75,8% dos programas dessa área têm ações afirmativas. Em 2018, a área das engenharias apresentava a menor proporção (20,3%), mas cresceu para 44,8% em 2021. Hoje, a área com menor proporção é a de ciências da saúde (43,8%).

Em relação às regiões, no Centro-Oeste observa-se que a maioria dos programas de pós-graduação tem ações afirmativas – 80,1% deles. Em seguida, está o Norte (72,1%). O Sul continua apresentando a menor proporção (40,4%). No contexto dos 1.531 programas que criaram ações afirmativas, o Sudeste tem a maior aderência (34,9%), o que se explica pelo fato da região concentrar o maior número de programas de pós-graduação.

O Obaap decorre de pesquisa de pós-doutorado de Venturini desenvolvida no IPP – Programa Internacional e Interdisciplinar de Pós-Doutorado e no Afro-Cebrap – Núcleo de Pesquisa e Formação em Raça, Gênero e Justiça Racial do Cebrap. “A criação do Obaap foi motivada pelo fato de haver uma escassez de dados públicos sobre ações afirmativas na pós-graduação”, destaca Venturini. “A partir do nosso mecanismo de busca, programas, pró-reitorias e outros tomadores de decisão que queiram implementar essas políticas poderão identificar modelos adotados por outros programas da sua área do conhecimento ou da sua universidade. Além disso, os dados destacam que essas políticas já são uma realidade na maioria dos programas e que temos ingressantes com um novo perfil, de modo que é essencial que as universidades, os governos (federal e estaduais) e as agências de fomento pensem em estratégias para garantir a permanência desses estudantes”.

O observatório conta com apoio do Instituto Serrapilheira e do Instituto Ibirapitanga. “Apoiamos o observatório porque ele permite uma análise refinada de instituições e áreas do conhecimento que adotam práticas que trazem uma maior diversidade às universidades. Ou seja, a informação que estava dispersa passa a ficar organizada e de fácil acesso por qualquer pessoa ou instituição interessada no tema”, afirma Cristina Caldas, diretora de Ciência do Instituto Serrapilheira. “A política de cotas na graduação ‘coloriu’ as nossas universidades, mas o desafio de uma maior diversidade nos programas de pós-graduação ainda persiste, especialmente nas áreas apoiadas pelo Serrapilheira. Precisamos entender os motivos dessa resistência para atuar conjuntamente com as universidades em prol de um ambiente acadêmico mais plural”.

“As mudanças promovidas pelas políticas de ação afirmativa no ensino superior no Brasil são um dos principais eixos de transformação social que vivemos recentemente. Mesmo que sejam muito visíveis, essas mudanças ainda estão menos amparadas em dados e análises capazes de sustentar seus impactos e resultados vividos cotidianamente. Iniciativas como o Obaap vêm no sentido de preencher algumas dessas lacunas, com foco nos programas de pós-graduação, ambiente em que as experiências de ação afirmativa são mais recentes”, afirma Iara Rolnik, diretora de programas do Instituto Ibirapitanga. “Nosso apoio ao Obaap é mais um passo para o reconhecimento dos impactos das ações afirmativas, em especial no que diz respeito à ampliação do acesso e à permanência de pessoas negras nos espaços em que estão sub-representadas”.

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